Aos 32 anos, o médico veterinário e instrutor do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), Álvaro Lúcio Xavier Alves, tem chamado a atenção pelo seu trabalho, ganhando destaque nacional quando o assunto é domar equídeos. No final de 2005, ele descobriu a técnica, por meio do instrutor do Senar São Paulo, Leonardo Feitosa, e passou a desenvolvê-la também. Álvaro pratica ainda em Goiás a Doma Índia, tipo de técnica gestual e sensitiva com os cavalos, que há pouco tempo vem sendo disseminada no Estado. Mas ele destaca que seu contato com os cavalos não vem de agora. O médico veterinário declara-se apaixonado por cavalos, desde criança. Prova disso, é que ele deixou de lado a cirurgia veterinária, sua segunda paixão, para se dedicar integralmente à doma. Quer conhecer um pouco desta história? Com toda certeza, você também irá se apaixonar!
No que a Doma Índia se difere da Racional?
Apesar da ‘Doma Índia’ e ‘Doma Racional’ serem bem parecidas, já que ambas não utilizam o critério da maldade e da submissão, a ‘Índia’ tem maior destaque pelo fato do domador ter um maior contato com o cavalo. Nesta técnica, o cavalo entende mais o que sentimos e o que podemos oferecer. É uma relação de proximidade, confiança e sem violência. A técnica permite que o animal faça uma leitura do nosso corpo, antes mesmo que o domador o toque. Por isso, se tenho conhecimento do assunto, daquilo que irei desenvolver com este animal, fica mais fácil se relacionar com o cavalo que está sendo domado. No meu caso, por exemplo, quando toco no cavalo, ele simplesmente confirma o que eu já havia demonstrado. É emocionante para quem está assistindo. O emocional tem total relação neste tipo de doma. Tanto que se eu não estiver bem, mas de repente tiver que trabalhar com este animal, acabo ficando mais rude e o cavalo retribui da mesma forma, com o mesmo sentimento. O animal acaba mascarando algumas respostas e isso dificulta a leitura que tenho que fazer dele. Assim, tenho que pular fases e não obtenho um resultado positivo deste trabalho. Então, traduzo a ‘Doma Índia’ num tripé, que envolve confiança, lealdade e trabalho em grupo.
Como o domador pode construir este tripé?
No cavalo existem alguns pontos vulneráveis. Sabe criança quando nasce, que temos que ter todo cuidado para pegá-las, devido sua fragilidade? Com o cavalo é do mesmo jeito. O primeiro ponto é a jugular, entre a cabeça e o pescoço do cavalo. Tem também a axila, atrás do membro anterior; a virilha, a coluna vertebral e por fim, as patas do cavalo. Na jugular, assim como nos seres humanos, quando somos atacados nesta área, temos um tempo de vida muito curto. Quando aproximo de um cavalo, que não confia em mim, o primeiro movimento que ele faz é de levantar a cabeça. Se o cavalo levantar a cabeça, ele está dizendo: ‘Não confio em você. Deixe eu proteger minha região da jugular’ e após fazer este movimento existe uma linha de percepção, ação e fuga. Quando me aproximo de um cavalo e ele está solto, ao erguer a cabeça, eu acabo entrando na linha de percepção deste animal. Estas linhas mudam conforme o espaço que estou, o lugar, o tamanho do local. A percepção é o fato dele levantar a cabeça e me olhar. A ação é eu continuar indo em direção ao cavalo e este animal se locomover, distanciar-se do ser humano. E a fuga é quando eu tento pegar este animal, encurralá-lo, mas ele escapa e sai correndo pelo campo. Isso porque eu invadi seu espaço. Daí ele acaba fugindo. Quando vou para a região da axila tenho o controle do cavalo em minhas mãos. Nesta área, passa uma veia e geralmente é onde os médios felinos o atacam. Para construir este tripé preciso tocar nestes pontos, só que na jugular não tem como tocar. Então, só observar o índice de confiança -, se ele confia muito ou pouco em mim. Mas conto com a presença de espírito, com aquilo que estiver dentro do meu coração. Se estiver calmo, ansioso ou nervoso, o cavalo estará também e consequentemente ele irá se aproximar ou se afastar de mim.
Por que você buscou esta modalidade de domar os cavalos?
Fiquei sabendo desta modalidade de doma por meio de um curso ministrado em Goiânia, por um profissional de São Paulo, chamado Leonardo Feitosa. Ele também é instrutor do Senar. O Leonardo conheceu quem trouxe este tipo de doma ao Brasil. O nome dele é Oscar Scarpati Schmid. Ele quem disseminou a técnica pelo mundo, com o seguinte lema: ‘Qualquer um é capaz, desde que se doe por inteiro’. Oscar nasceu na Argentina, mas desde pequeno tem convívio com cavalos e compreende o comportamento e natureza destes animais. Mas aos 12 anos, ele não havia pronunciado nenhuma palavra ainda. Foi diagnosticado com autismo e sua mãe não sabendo lidar com isso o levou para morar com índios, nos Pampas da Argentina, onde aprendeu com os ‘índios ranqueles’ a ‘Doma Índia’. Mas os ensinamentos ficaram guardados durante muito tempo e o mais interessante é que o cavalo ajudou a tratar o autismo dele. No caso do Oscar, ele não fazia apresentação, apenas ministrava cursos.
Por que mesmo sendo médico veterinário escolheu domar cavalos?
Quando ouvi falar sobre esta técnica, me apaixonei. Fiz meu primeiro curso do Senar aos 15 anos. Nesta época, já montava em cavalos. Tenho fotos montado em cavalos com três anos de idade. Fotos montado em bezerro com dois anos. Eu morava em fazenda, em Inhumas. Só ía para cidade aos finais de semana. Eu largava de mão de ir para praias para ir para roça. Foi quando eu descobri minha vocação, a de domar cavalos e comecei como todo mundo inicia, tentando, estudando e buscando sempre me aperfeiçoar. Hoje, por exemplo, me considero um especialista nesta técnica. Mas foi em 2005 que percebi que tinha condições de trazer a técnica da ‘Doma Índia’ como uma lição de vida, porque eu pensava assim: ‘se eu consigo movimentar um cavalo em tão pouco tempo, consigo ajudar outras pessoas e com isso posso ajudar mais cavalos’. Foi a partir deste pensamento que decidi entrar para o Senar e ser instrutor, porque percebi que seria capaz de transmitir esta mensagem. De aluno, passei a ser instrutor e meu foco sempre foi esse, ser domador de cavalos. Só do Senar Goiás tenho mais de cinco cursos e tenho outros pelo Senar São Paulo e alguns particulares. Apesar de gostar bastante de cirurgia veterinária, minha paixão sempre foi a área comportamental de equídeos.
O que a ‘Doma Índia’ traz de diferencial para um ser humano?
Com toda certeza é importante. Por meio da ‘Doma Índia’ é que identificamos o comportamento do animal. O fato de você não bater no cavalo faz com que ele também não bata em você. A técnica provoca dúvida no cavalo e no ser humano. Por meio deste método identificamos os riscos de sofrermos um acidente, quando aproximamos do animal. Mas no primeiro contato com o cavalo sentimos medo, ficamos ansiosos e pensamos que o animal poderá nos machucar. De repente começamos a mexer e vemos que o animal não irá nos machucar, porque ele não bate sem precisão. Ele apenas retribui o que oferecemos a ele. Se dou carinho, atenção e amor ele irá retribuir com os mesmos sentimentos. A técnica é importante por isso. Ela canaliza a prioridade deste cavalo para nós. Se for para trabalhar numa fazenda, ele dará a vida por nós. Talvez estes exemplos sejam o grande diferencial da ‘Doma Índia’ para a ‘Doma Racional’.
Como que funciona a programação de seu curso e como é aplicado?
O curso que ministro pelo Senar Goiás tem um total de cinco dias, 40 horas. É ministrado semanalmente, em regiões diferentes do estado de Goiás. Não temos muito a teoria, na sala, porque o cavalo é o professor da semana. Ministro também cursos particulares em todo País. Já estive no Piauí, Bahia, Mato Grosso, entre outros. O foco é sempre em ajudar o homem com o cavalo, independente de qualquer função. Se a pessoa me ligar, for em minha casa, se tiver dúvidas ou se estiver numa fazenda, estou sempre disposto a ajudá-la. A técnica basicamente se resume em pegar o animal, colocar no curral e fazer a leitura corporal e emocional dos alunos. Dependendo do lado que ando, sei exatamente para onde o cavalo irá movimentar. Se ele irá erguer a cabeça, se irá balançar. Como está o olho dele, se está com a pupila dilatada, com a adrenalina alta. O trabalho é no campo, bem prático. Não tem como mostrar uma imagem de um cavalo em um Datashow e apresentar aos alunos os pontos vulneráveis, falar para irem lá e aplicarem a técnica.
Quais os benefícios, as vantagens, os desafios e os resultados alcançados por meio da ‘Doma Índia’?
O desafio maior é estabelecer esta comunicação com o cavalo. Isso só é adquirido com o contato direto com o animal. Hoje, tenho em minha carteira cerca de 2,5 mil cavalos montados com esta técnica. A doma em si inicia com o animal aos dois anos, porque antes disso o cavalo tem que ter uma criação mais natural possível, aprendendo com a natureza e outros indivíduos. Com essa idade, ele ficará no pasto e só precisarei fazer o manejo preventivo de doenças, vermífugos e vacina. Esse é o tempo que ele tem para entender o que é ser cavalo. Não é aquele animal mimado, que não tem respeito, que fica brincando de morder. Quem educa este animal é a mãe dele. A partir do momento que ele está com o corpo formado, aos dois anos, porque o cavalo chega ao seu ágil a partir dos quatro, cinco anos, com sua formação óssea. Mas aos dois anos já é possível ter uma interação com este animal e é a partir deste momento que a história deste animal será escrita. Sempre falo assim para meus alunos: ‘quando o cavalo nasce tem apenas uma folha em branco. Podemos escrever o que quisermos’ -, então, a história do cavalo depende exclusivamente de nós.
Texto:Juliana Barros, especial para a Revista Campo
Fotos:Larissa Melo
Comunicação Sistema Faeg Senar