Leonnardo Furquim, gerente de formação profissional rural do Senar Goiás
A região do Cerrado consiste em um mosaico de vegetação, como fisionomias determinadas não apenas pelo clima, mas também por solos provenientes de diferentes materiais de origem. No bioma predominam fisionomias de savanas estacionais de encosta sobre solos profundos com pouca disponibilidade de água, como nos Cambissolos e Latossolos. Assim, a distribuição da vegetação relaciona-se principalmente à profundidade do solo, uma vez que estabelece o estoque de nutrientes e o teor de água do solo até o final da estação seca.
Como em toda savana, a vegetação é exposta a altas irradiâncias, altas temperaturas e, na estação seca, baixa umidade relativa do ar. Embora neste bioma ocorra abundância de luz, a disponibilidade de água e nutrientes são fatores que limitam o crescimento da vegetação, o que faz com que ocorra maior investimento na formação de raízes para exploração de camadas profundas de solo. Para tolerarem a seca com baixo potencial hídrico, as plantas desenvolveram mecanismos como o ajustamento osmótico, acúmulo de moléculas não-estruturais, transporte de solutos a longa distância com baixo custo energético, permitindo principalmente a manutenção da abertura estomática e fotossíntese sob condições de baixo potencial hídrico no solo.
Como consequência da estacionalidade e das abruptas modificações de fitofisionomias a vegetação do Cerrado desenvolveu diversas adaptações morfológicas e fenológicas. Na morfologia dessas plantas podem ser observados sistemas subterrâneos espessados e profundos, possibilitando o alcance de regiões do solo onde há disponibilidade de água mesmo na estação seca. Quanto à fenologia, diversas espécies do Cerrado entram em fase de dormência durante o período seco, após abscisão foliar e morte dos ramos. A dormência fisiológica evoluiu em espécies e populações do Cerrado associadas a micro-habitats áridos, onde as sementes são dispersas no final da estação chuvosa, em condições desfavoráveis para o estabelecimento. Outra característica é que essas plantas mostram rápida recuperação a queimadas, de modo que as alterações no ciclo fenológico não persistem após um ano sem fogo. Em algumas espécies o efeito do fogo impacta positivamente, estimulando a floração, sendo esta característica um traço adaptativo que ainda é pouco estudado.
Em muitas espécies, modificações no metabolismo de carboidratos solúveis tem se mostrado estratégias potenciais para a sobrevivência em condições adversas. O armazenamento de carboidratos não-estruturais, como a rafinose, no final da fase de crescimento vegetativo e despolimerização destes nos períodos com intensa demanda energética, protegem a planta contra vários tipos de condições ambientais adversas, como a restrição hídrica, alta salinidade e temperaturas extremas.
As espécies do Cerrado tendem a ter área específica foliar mais baixa e menores concentrações de nutrientes do que as espécies florestais. Em contrapartida, investem mais em casca, raízes e carboidratos não-estruturais. Como consequência desses mecanismos estas espécies apresentam taxas de crescimento mais baixas e maior condutância hidráulica por unidade de área foliar que as espécies de outros biomas, o que lhes permite utilizar mais eficientemente a água, que no Cerrado é menos disponível. Durante o período seco, existem espécies que deprimem a taxa de assimilação de carbono em até 50% (principalmente entre 12 e 14 horas, período de maior irradiância solar, temperatura mais alta e menor umidade relativa do ar), enquanto outras espécies mantêm inalterada a taxa de assimilação de carbono.
Na estação seca, as gramíneas, secam e morrem favorecendo a ocorrência e a propagação das queimadas, podendo ser de origem natural ou antrópica. Por outro lado, as plantas adultas estão expostas a altos níveis de irradiação solar, mas possuem um sistema radicular longo e pivotante, permitindo atingir profundidade superior a 10 metros (floresta invertida), abastecendo-se de água em camadas permanentemente úmidas do solo. Essas, por permanecerem úmidas ao longo do ano, asseguram uma fonte de água estável para as plantas, minimizando os efeitos do déficit hídrico sazonal. A produção de folhas e a floração ocorrem durante a estação seca (junho a setembro). Na estação chuvosa (outubro a maio) as sementes germinam e a vegetação apresenta grande produção de biomassa, com incremento no diâmetro do caule.
Algumas espécies desta vegetação apresentam frutos tolerantes às altas temperaturas durante a passagem da frente de fogo. Estudos mostraram que os frutos de Kielmeyera coriácea (pau santo) são eficientes na proteção das sementes durante as queimadas. A temperatura máxima externa dos frutos pode atingir valores entre 390 °C a 730 °C, dependendo da sua posição na copa, enquanto que no interior do fruto a temperatura máxima é da ordem de 62 °C e essa temperatura interna não afeta a viabilidade das sementes.
Portanto, nota-se que para as diferentes espécies nativas do Cerrado, tanto em fase inicial de desenvolvimento quanto em plantas adultas, a seca sazonal característica, não exerce efeito marcado para sua sobrevivência.
Embora a disponibilidade hídrica constitua uma das principais limitações para a exploração do bioma Cerrado, mecanismos como investimento inicial e contínuo no desenvolvimento radicular, ajustamento osmótico e alterações fenológicas contribuem para uso eficiente da água disponível e sobrevivência das espécies nestas regiões. Adaptações e evoluções anatômicas de tecidos epidérmicos e vasculares das espécies nativas deste bioma permitem que o fluxo de carbono na planta ocorra mesmo em condições ambientais desfavoráveis a fotossíntese. A exploração destas espécies, comercialmente e na pesquisa científica, não só objetiva a compreensão de eventos fitotécnicos adaptativos, bem como permite e abre possibilidades para que tais eventos possam ser buscados em programas de melhoramento genéticos de espécies de outros biomas, que veem sendo cultivadas comercialmente no Cerrado. Definitivamente, sobre adaptabilidade e resistência, as plantas do Cerrado são referência na evolução!