Eduardo Clímaco sempre gostou de desafios. Engenheiro civil, ele terminou a construção de um prédio e comprou a cobertura. A ideia era preparar o local para moradores que não se adaptam bem ao clima do Cerrado goiano. Isso foi em 2013. Naquela época, pouco se falava de cogumelos em Goiás. Mas literalmente sonhando alto, era ali, no último andar, que ele queria dar início ao cultivo de cogumelos em grande escala. Mas esse começo não foi bem como pensava.
“Eu imaginava que não era tão difícil. Contratei uma consultoria pela internet e, daquele bate-papo, eu resolvi que iria até São Paulo para ver de perto a produção. Até então, o consultor já havia me dito que não era possível produzir cogumelos na cobertura. Mas fui teimoso e quis ir pessoalmente entender o motivo. Não demorou muito para eu entender. Lá vi o cultivo feito com palha e serragem e aí percebi que a logística realmente seria complicada para subir toneladas e toneladas desses produtos até a cobertura”.
Em Mogi das Cruzes, São Paulo, está um dos maiores redutos de produtores de cogumelos do Brasil. São dezenas de famílias de origem oriental que dominam as técnicas de cultivo, possuem maquinário e tecnologia que permitem uma grande produção e, com isso, a venda para todo o País com um preço bem mais acessível do que o de cultivo local. Eduardo ficou extremamente empolgado com tudo o que viu. Desistiu da ideia da cobertura e construiu galpões em uma área que tinha, na saída para Bela Vista de Goiás.
“Eu usei meus conhecimentos de engenharia para fazer adequações. Afinal, tinha que criar em Goiás um clima similar ao do Japão. Optei pelo cultivo do shimeji branco, o mais fácil de adaptação. Mesmo assim, em determinadas épocas do ano é necessário usar até ar-condicionado. Tem fase que é preciso 80% de umidade, numa sala fechada, enquanto lá fora ela está em 15%”, relata. Ele afirma que outro desafio é sem dúvida a concorrência. “Os cogumelos produzidos localmente são bem mais bonitos e de melhor qualidade, mas os restaurantes focam no preço. Porque, depois de preparados, essa aparência bonita não é vista. Então é preciso um planejamento e um controle muito rígido para ter um preço competitivo com o que vem de fora. Não é uma tarefa para amadores ou para quem quer começar a produzir para ver no que dá”.
Eduardo foi apadrinhado por um grande restaurante japonês de Goiânia. Isso garantiu a persistência dele no mercado já há 8 anos. Atualmente, são oito galpões usados desde a fase inicial à colheita, que gira em torno de 700 quilos por mês. “Quem me vê falando, pensa que eu até coloco dificuldades para não ter mais concorrentes, mas não é isso. Eu faço questão de mostrar os desafios, porque é sem dúvida um mercado fascinante, crescente, porém requer muita busca por conhecimento, estudar as tendências do mercado e saber quem vai comprar a produção”, destaca.
Os cogumelos estão entre os primeiros alimentos colhidos pelos povos pré-históricos. Há registros de que eram servidos pelos egípcios aos faraós, como iguarias, e também pelos romanos e gregos. Estudos científicos mostram que fornecem proteína de alta qualidade e são ricos em fibras, minerais, vitaminas e alta proporção de ácidos graxos poliinsaturados. Além disso, muitas espécies são não apenas nutritivas, mas possuem também propriedades tônicas e medicinais.
A advogada Amanda Scurciatto Nishikawa encontrou nos cogumelos uma oportunidade de mudar de profissão. Ela estudava para concursos e não estava satisfeita. Como é vegetariana, vivendo os desafios da alimentação, a cada dia nutria o desejo de contribuir com o mundo levando alimentos mais sustentáveis, uma opção de proteína saudável. “Nesse contexto, passei a ler muito a respeito e, como tinha contato com muitos vegetarianos, comecei a vender cogumelos. Montei a Coguzen, uma distribuidora home delivery. Compro de uma cooperativa de São Paulo e revendo através do Whatsapp”.
Amanda diz que o mercado atualmente vai bem além dos fins comestíveis. Tanto que ela passou a trabalhar também com produtos de beleza, shampoos, máscaras, suplementos, vitaminas, extrato de cogumelos, entre outros. Mas o carro-chefe do negócio são as vendas do shimeji branco e o champignon paris. “É preciso popularizar o consumo de cogumelos, pois ainda são vistos por muita gente como uma iguaria. Meu objetivo é abrir um espaço onde eu possa fornecer cogumelos ao alcance de todas as classes. É um alimento muito rico, com infinitas possibilidades e acredito que, aqui em Goiás, ainda se tem um grande espaço para crescimento”.
Foi somente na primeira metade do século passado, com a chegada de japoneses e chineses em grande número, estabelecidos principalmente no estado de São Paulo, que a história do cultivo de cogumelos no Brasil começou. De acordo com o Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag) não existem dados oficiais sobre o cultivo deste alimento no Brasil. A Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPCOs) diz que os principais produtores estão nos Estados de São Paulo (Mogi das Cruzes, Pinhalzinho, Ibiúna, Sorocaba, Salto, Cabreúva, Juquitiba e Valinhos) e no Paraná (Castro, Tijucas do Sul e Curitiba). Existem cultivos em Minas Gerais, Rio de Janeiro, sul da Bahia, Pernambuco, Brasília, Rio Grande do Sul e, timidamente, em outros estados, como Goiás. Os responsáveis, em sua maioria, são micro e pequenos agricultores familiares.
Qualificação
Goiás passa pelo período de implementação cultural do uso gastronômico de cogumelos e o consumo vem aliado a isso. O instrutor do curso Cultivo de Cogumelos Comestíveis do Senar Goiás, Jadson Belem de Moura, que é mestre em Agronomia e doutor em microbiologia agrícola, explica que enquanto cada chinês consome uma média de quatro quilos de cogumelos por ano, o brasileiro consome 200 gramas. “O mercado de cogumelos é altamente promissor. Eu acredito que aqui não tem mais consumo por falta de oferta. E eles chegam aqui com um valor não tão acessível, porque a maior parte vem de outros estados. Chegam com o preço do transporte incluído, por exemplo. Esse é só um dos pontos que o produtor goiano tem a favor, para ser mais competitivo”.
Jadson lembra que o produtor de cogumelos tem outras formas de agregar valor ao produto, como vendê-lo processado, congelado in natura, pratos congelados e conservas. “O cogumelo é muito rico em nutrientes. O shitake desidratado, por exemplo, tem um teor proteico que pode chegar a 40%. Por isso, não só ele, mas o shimeji, o champion, mesmo com percentual em menor quantidade, são muito procurados pelo público vegetariano, como um dos substitutos da carne”, ressalta.
A primeira aula do curso Cultivo de Cogumelos Comestíveis, do Senar Goiás, ocorreu em Campo Limpo de Goiás, no mês de setembro. A turma foi mobilizada pelo Sindicato Rural de Anápolis. Na região, muita gente tem interesse por essa cultura e alguns já começaram pequenas produções como a Ana Clara Lopes, que é engenheira de alimentos. Durante os estudos, em uma faculdade no sul de Minas Gerais, ela percebeu a boa oferta de cogumelos nos supermercados e feiras da região e resolveu cultivar shimeji branco e salmão. “Eu tinha um galpão parado na minha propriedade, comprei prateleiras, substrato e iniciei o cultivo. Eu comecei comprando 15 sacas de substrato, hoje compro 100. Já vendo em Anápolis, Goiânia e Brasília. Quando eu soube do curso do Senar Goiás eu fiquei muito contente, porque essa área ainda é muito carente de qualificação. A minha intenção é fazer o meu próprio substrato a partir do ano que vem”, conta.
Os cogumelos não são plantas, apesar de ter partes que remetem a tronco, copa, não fazem fotossíntese. Eles fazem parte do reino dos fungos e por isso o termo correto é alimento decompositor. Devido a isso, seu desenvolvimento depende de um substrato adequado feito por exemplo com serragem, palha de arroz, fibra de coco.
“É possível começar o cultivo de cogumelos com baixo investimento, com uma sala pequena, prateleiras e um bom substrato. Por isso é uma atividade que pode ser aliada a outras, principalmente na agricultura familiar. Nesse caso indicamos o cultivo inverso. Começa numa salinha com prateleiras e substrato inoculado, faz o cultivo e a colheita. Deu certo! Começa a produzir o próprio substrato. Funcionou! Passe para a produção da semente e em seguida o inóculo”, sugere Jadson. “Com isso você descobre com o que se identifica mais. Seja com a produção de cogumelos ou insumos. Isso mostra um pouco das várias possibilidades de mercado”.
O curso do Senar Goiás tem duração de três dias e ensina a identificar cogumelos comestíveis de acordo com suas características, instalar sistemas de cultivos com controle de temperatura, umidade e contaminação; isolar, cultivar e preparar “sementes” de cogumelos; fazer substratos adequados para o cultivo de diferentes espécies, promover a inoculação e frutificação dos substratos; controlar pragas e doenças; realizar a colheita, beneficiamento, embalagem e pós-colheita de Cogumelos Comestíveis.
“Eu achei o curso muito interessante. Além de aprender a fazer os substratos, eu conheci novos cogumelos e outras possibilidades de cultivos. Com certeza, vou ampliar a oferta de variedades a partir do ano que vem”, reforça Ana Carla. “Isso vai ampliar meu mercado, hoje já bastante promissor também com os hambúrgueres de shimeji e as conservas da minha marca, a Shakti Cogumelos Artesanais. É muito bom ver uma instituição como o Senar Goiás estimulando novas oportunidades através do conhecimento de algo relativamente novo no Estado”.
A expansão dos cogumelos no Cerrado ainda depende de muitas adequações, estudos para novas formas de substratos, por exemplo. O papel do Senar Goiás de levar o conhecimento de extensão, de popularizar um alimento um tanto elitizado, garante novas possibilidades de renda e geração de empregos. É muito gratificante contribuir com a implementação dessa nova cultura de consumo e cultivo”, conclui o instrutor do curso.
O tema também foi discutido no Campo Cast. Ouça:
Comunicação Sistema Faeg/Senar