Por Gabriel Martins Almeida
O avanço tecnológico no setor agropecuário tem sido notadamente impulsionado pelas startups do agro, denominadas agritechs, que são catalisadoras de inovações, tanto incrementais quanto disruptivas (SILVERA et al., 2022). No entanto, a efetiva adoção de tecnologia no campo enfrenta desafios significativos, que vão desde a resistência à mudança por parte dos produtores rurais, até questões de infraestrutura e investimento, sendo a capacitação um dos principais obstáculos.
Quando se trata de uma inovação, geralmente os empreendedores são pessoas técnicas e que não possuem experiência na conexão com produtores rurais. Logo, é natural que estejam ávidos para vender a solução aos produtores. No entanto, o ideal é deixar que o produtor compre a solução. Existe uma grande diferença entre esses dois cenários. Mas, como chegar a esse ponto? Primeiramente, estabelecendo conexão com o produtor. O agro possui muitas particularidades e é pautado pela confiança nas relações. Para tanto, a realização de demonstrações, a coleta de depoimentos de outros produtores e parcerias com instituições de credibilidade são aspectos que geram grandes diferenciais.
De acordo com Romananiello e Amâncio (2021), em estudo com cafeicultores de Minas Gerais, a simples transmissão de informações e tecnologias para produtores rurais não garante uma comunicação bem-sucedida e a adoção tecnológica. Ou seja, gerar o aprendizado do produtor acerca de uma vertical tecnológica não é simples. É importante construir um diálogo e estabelecer um ambiente comum de interesses. O famoso ganha-ganha. Dessa forma, a comunicação é essencial, levando sempre em consideração a experiência do produtor.
Neste sentido, Higor Freitas, em matéria publicada no site do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (2023), abordou que a linguagem é uma barreira na disseminação tecnológica:
Termos americanizados são difíceis para o produtor rural, lá no campo, entender. É preciso facilitar a comunicação.
Dessa forma, podemos verificar que o "startupês" e outros termos estrangeiros dificultam a relação com o produtor.
A adoção de inovações tecnológicas no agronegócio vai além da simples disponibilização de novos equipamentos, produtos, serviços ou softwares. Envolve uma mudança de paradigma que necessita de um suporte educacional e infraestrutural para ser efetiva.
As startups, ao se aliarem a instituições de credibilidade, que possuem programas de extensão, como a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG ou Senar Mais) do Senar (FAEG, 2023), podem facilitar esse processo de adoção tecnológica pelos produtores. Assim como ações de hubs de inovação, a exemplo do hub Campo Lab. Esse hub possui o programa Conecta Campo, que se apoia no programa Senar Mais para conectar agritechs com produtores assistidos. Programas como esses conectam soluções às reais necessidades dos produtores, oferecendo treinamento necessário para sua correta implementação (Figura 1).
Figura 1 - Encontro de produtores assistidos pelo Senar Goiás. Momento de realização de uma demonstração por uma startup, propiciada pelo hub Campo Lab, por meio do programa Conecta Campo. Março de 2024. Crédito: Miguel Fernandes Santos Barbosa.
Pequenos e Médios Produtores
Sabemos que os grandes produtores, geralmente, são importantes consumidores de tecnologia. Contudo, os pequenos e médios produtores são essenciais para a segurança alimentar e sustentabilidade agrícola. De acordo com Basso et al. (2024), a melhoria da produtividade e sustentabilidade das atividades desses produtores é comprovadamente aumentada quando são conectados a tecnologias e inovações adequadas ao seu cenário.
Neste sentido, a capacitação e a assistência técnica são importantes para auxiliar os pequenos e médios produtores a adotarem boas práticas agropecuárias e novas tecnologias; bem como se prevenirem das mudanças climáticas, por exemplo (BASSO et al., 2024).
O Papel das AgriTechs na Sustentabilidade e Segurança Alimentar
As AgriTechs, estão revolucionando o setor agrícola alinhando-se com os objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas, especialmente o objetivo de Fome Zero e Agricultura Sustentável (NAÇÕES UNIDAS, 2015). Elas desempenham um papel fundamental na mitigação da insegurança alimentar, promovendo práticas agrícolas que são sustentáveis tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico, melhorando cadeias de suprimentos e reduzindo o desperdício de alimentos com tecnologias de monitoramento e logística.
Barreiras e Facilitadores
Segundo Pivoto et al. (2019), a baixa escolaridade é entendida como uma barreira à adoção de tecnologias. Isso se deve, em parte, à rápida evolução e à complexidade das ferramentas e serviços tecnológicos. Destaca-se também a necessidade de investimento para impulsionar as competências dos trabalhadores, sendo o conhecimento é o grande gargalo na adoção de tecnologias (SILVA et al. (2023).
A capacitação é fundamental para garantir que os agricultores e trabalhadores rurais possam compreender e utilizar plenamente as tecnologias (Figura 2). Independentemente da vertical tecnológica, esbarra-se no fator da capacitação (SILVA et al. (2023). Isso inclui não apenas o uso eficaz das tecnologias em si, mas também a análise e interpretação dos dados coletados para tomar decisões assertivas.
Figura 2 - Adaptação da Figura 2 do artigo de Silva et al. (2023), que ilustra as principais barreiras, facilitadores e oportunidades para aumentar a competitividade do agronegócio por meio da adoção de inovações tecnológicas na agricultura 4.0.
O papel das instituições representativas de produtores, associações e cooperativas é crucial na facilitação do acesso à capacitação e adoção de tecnologias, pois elas podem organizar treinamentos, encontros de produtores, eventos e demonstrações práticas, muitas vezes em parceria com instituições de pesquisa, universidades, empresas e startups (PIVOTO et al., 2019). Essas instituições não só promovem a construção de habilidades técnicas, mas também promovem a troca de conhecimentos e experiências entre os produtores rurais, o que geralmente acelera a adoção de novas tecnologias.
Dessa forma, a necessidade de treinamento, qualificação e formação em análise de dados agrícolas, além da transferência de dados para conhecimento prático, é identificada como desafios críticos (DIBBERN et al., 2024). Existe a necessidade de desenvolver abordagens centradas no agricultor e na fazenda, o que implica uma compreensão das necessidades específicas de capacitação dos produtores rurais para implementar com sucesso tecnologias digitais na agricultura.
Neste contexto, o investimento em Provas de Conceito (POCs) ganha destaque. Segundo Blomstersjö e Von Grothusen (2023), elas são experimentos ou projetos piloto realizados para demonstrar a viabilidade ou o potencial de novas tecnologias antes de um lançamento ou adoção em larga escala. Muitas novas tecnologias ainda estão em fase de teste, e há um obstáculo significativo relacionado ao investimento necessário para realizar esses testes. Para pequenos e médios produtores, esse investimento pode ser uma barreira, limitando sua capacidade de explorar e adotar inovações tecnológicas. Dessa forma, instituições e hubs de inovação podem ser importantes parceiros para as agritechs e produtores, pois podem oferecer suporte técnico, acesso a recursos e infraestrutura, e até mesmo financiamento para a realização de POCs. Além disso, podem atuar como intermediários entre os agricultores e agritechs, facilitando a aprendizagem, parcerias e colaborações.
Para as agritechs, as POCs oferecem uma oportunidade valiosa para testar suas soluções em condições reais, coletar feedback dos produtores e identificar possíveis problemas ou limitações (BLOMSTERSJÖ; VON GROTHUSEN, 2023). Isso ajuda a construir credibilidade e confiança com potenciais clientes.
Para efetivar a adoção tecnológica no campo, é essencial a sinergia entre AgriTechs, instituições de credibilidade do agronegócio e produtores rurais. Superar as barreiras para a implementação de tecnologias agrícolas requer uma abordagem colaborativa que priorize a capacitação e assistência técnica. Isso não só impulsiona a produtividade e sustentabilidade agrícola, mas também contribui para a segurança alimentar global. Adaptar as inovações às necessidades específicas dos produtores, especialmente os de pequeno e médio porte, e a realização de Provas de Conceito (POCs) são estratégias chave para uma agricultura mais inteligente e inclusiva no Brasil. Um esforço coordenado entre todas as partes interessadas, incluindo governos e instituições educacionais, é vital para construir um setor agrícola sustentável que atenda às demandas de uma população em crescimento.