Goiás possui o maior número de cervejarias artesanais do Centro-Oeste e é o sétimo estado do País em número de empreendimentos que produzem cerveja. De gole em gole, o consumo do produto artesanal tem conquistado um público que busca produtos diferenciados, o que cresce juntamente com a oferta, a ponto de ser considerado um dos negócios com maior tendência de crescimento e com impacto que vai do campo à cidade. Conforme aumenta a produção, a necessidade de buscar matéria-prima local também cresce e esbarra na escassez.
Há oportunidades da produção de insumos até o comércio do produto. “Esse mercado passa pela mudança de hábito do consumidor. Há busca por produto de maior qualidade”, explica o diretor presidente da Associação dos Cervejeiros Artesanais de Goiás (Acerva Goiana), Henrique Augusto Martins. Ele lembra que até as grandes indústrias de cerveja já se atentaram para isso. Oficialmente, segundo o Ministério de Agricultura, Goiás possui 25 cervejarias. Porém, o número pode ser bem maior, porque há as chamadas “ciganas”, que não possuem registro.
São quatro elementos básicos para fazer a cerveja: água, cereal (cevada ou trigo), lúpulo e fermento. A produção de malte é pequena no Brasil, o lúpulo é importado e precisa de condições específicas para ser produzido, mas já há iniciativas isoladas para atender essa base da bebida, como explica Martins. Entre os poucos no Brasil a aproveitar a oportunidade que esse mercado oferece está a Fazenda Vargem, em Vianópolis, onde se planta trigo desde a década de 1980.
Somente em janeiro de 2019 é que começará a ganhar escala e sair da fase experimental. Houve teste com quatro fornos a secagem, por exemplo, nesse processo em busca do produto final. E é no campo que tudo começa. “A gente planta o trigo específico para malte e a cevada para malte e cerveja”, detalha. Há teor de proteína ideal, a variedade correta, tempo de germinação da semente colhida e mais uma série de detalhes que são controlados para, enfim, o produto ser encaminhado às cervejarias. “A lavoura é irrigada para trigo e cevada. São 200 hectares e uma parte é para malte, porque também vendemos para moinho e esse é o início de um projeto que está dando certo”, conta sobre o cultivo que ocorre uma vez por ano.
Ele planta em maio e colhe em setembro. De trigo são cinco toneladas por hectare e de cevada cerca de quatro toneladas. “E ainda ajuda o solo para a soja, que vem depois. Fazemos rotação de cultura.” A família responsável pela fazenda também está de olho nas próximas inovações como variedades que podem possibilitar duas safras por ano futuramente.
Frutos da terra
Além do trigo e da cevada, há ingredientes usados para tornar algumas cervejas ainda mais especiais: os frutos. Tem cerveja com pequi, graviola, jabuticaba, com outros frutos do Cerrado e até com rapadura. Outra oportunidade para produtores. Porém, o que há de específico do bioma chega até as cervejarias por meio de extrativismo e há carência de alguns produtos. Tanto que empresas de Goiás muitas vezes têm de comprar de fora o que dá aqui e que se cultivado movimentaria ainda mais toda a cadeia formada em torno da produção de bebidas.
Ele explica que em outros casos a marca não tem a mesma facilidade de fazer negócio em Goiás. “Baru, infelizmente, temos de buscar em Minas Gerais. Até há oferta, mas com preço mais alto. Jabuticaba também.” Já os insumos básicos, como o malte, que ainda não era vendido em Goiás em grande escala, ele conta que vem do Paraná. O sommelier, que também é diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), defende que é importante o desenvolvimento da produção de matéria-prima local pela proximidade e logística facilitada. “Lúpulo e malte têm crise de escassez. Tivemos uma safra ruim em 2018, o que fez o preço subir. E precisamos resolver isso com mais fornecedores.” Já do lado da cervejaria, além dessa seleção de ingredientes, há investimento em tecnologia, automação e formação de mão de obra para maior eficiência. “Cervejarias artesanais empregam quase cem vezes mais por litro do que uma grande cervejaria e é preciso um padrão”. Para ele, a mão de obra especializada não existe, especialmente no Centro-Oeste, por isso é feita a formação constante.
“Hoje representamos pouco mais de 1% do mercado de cerveja, então acredito bastante no crescimento da demanda”, lembra sobre o potencial que tem superado as dificuldades. A Colombina, que começou no mercado em 2014, vende para outros países e faz parte do volume de empresas goianas que têm trazido destaque para o Estado nesta área. Mesmo com o potencial, ele reforça que o principal custo, e que pesa no fim para o bolso do consumidor, também é a carga tributária. “Já ocorreram vitórias importantes como inclusão da atividade no Simples e redução da carga tributaria no Estado.” Henrique Augusto Martins, da Acerva Goiana, estima que em uma cerveja de 600 ml quase 300 ml é imposto. “Esse é o grande entrave. Para o mercado artesanal e para a grande indústria a carga é a mesma. Uma guerra desigual. Nosso custo por litro já é maior. Lei recente reduziu carga de ICMS, o que ajudou”, complementa ao citar programa de incentivo à produção.
Ao sair da indústria, para as cervejas encontrarem os consumidores o espaço tem se aberto cada vez mais. Há inclusive bar dedicado a produzir e vender cervejas artesanais, o que aproxima ainda mais o público de todo o processo. Mas isso também esbarra em adequações da legislação, pois para ser bar e indústria ao mesmo tempo é preciso de lei que autorize essa atividade tão diferente que o mercado ao inovar apresenta.
Reportagem: Katherine Alexandria, especial para a Revista Campo
Fotos: Fredox Carvalho