Com apoio do Senar Goiás, ações da Faeg e Sindicatos Rurais, o protagonismo de mulheres tem transformado a vida no campo, resultando em uma nova fase de produtividade e inspiração
No interior de Goiás, a força da produtora rural e mãe Lourdes Ferreira Bento da Fonseca foi o alicerce para que as filhas Cleusa Helena da Fonseca e Cleide Ismar da Fonseca encarassem os desafios da pecuária com inovação e coragem. Com apoio técnico do Senar Goiás, a Fazenda Morro Alto vive uma nova fase de prosperidade.
Na propriedade que fica em Amaralina, no norte de Goiás, se vê um exemplo de superação, inovação e gestão liderada por mulheres. Por trás de cada decisão, investimento e conquista, há a força de uma mãe que ensinou, com o exemplo, que o campo também é lugar de mulher.
Lourdes, a matriarca, é mais do que uma das gestoras da fazenda; é o elo que mantém a tradição familiar e impulsiona as filhas a acreditarem em seu potencial. “Foi a nossa mãe quem nos ensinou a amar a terra, a cuidar do gado, a não ter medo de trabalho. Tudo o que sabemos começou com ela”, conta Cleusa.
Ao lado da irmã Cleide, Cleusa assumiu a administração da fazenda herdada dos pais. Por muitos anos, mantiveram o sistema tradicional de cria e leite, como faziam seus antecessores. Mas os tempos mudaram, e os desafios também: custos crescentes, baixa taxa de desmame e retorno financeiro cada vez mais incerto colocavam em risco a continuidade da atividade.
A grande mudança veio com a chegada da Assistência Técnica e Gerencial do Senar Goiás (ATeG). A técnica de campo Wanessa Silvestre acompanhou de perto cada etapa da transformação da propriedade. “Fizemos um diagnóstico detalhado e percebemos que havia muito potencial para um sistema mais eficiente. Foi então que propusemos a mudança para a recria e engorda de fêmeas”, explica.
A proposta exigia coragem. Era preciso abrir mão do plantel antigo e começar do zero. Mas as três mulheres não hesitaram. “Quando a Wanessa apresentou os números, vimos que fazia sentido. Não foi fácil, mas sabíamos que era necessário mudar”, afirma Cleide.
Hoje, a fazenda trabalha com 43 novilhas em recria e engorda, sendo 13 do antigo rebanho. O novo sistema trouxe resultados visíveis: menor mortalidade, maior giro de capital e mais previsibilidade de receita. “A assistência do Senar foi fundamental. A Wanessa não só nos orientou, como acreditou junto com a gente”, completa Cleusa.
As melhorias vão além dos números. A fazenda agora investe em pastagens rotacionadas, suplementação estratégica, reforma de curral e aquisição de balança. “Estamos trabalhando para sair de 0,8 UA/ha para 2,0 UA/ha de lotação. Tudo com planejamento e controle. Elas são exemplos de protagonismo feminino no campo. O que fizeram aqui é inspirador”, diz Wanessa.
E toda essa evolução tem raízes firmes no passado. Lourdes, hoje com a experiência de uma vida no campo, vê nas filhas o reflexo do próprio esforço. “Me orgulho de ver que elas pegaram tudo o que aprenderam comigo e foram além. Modernizaram a fazenda, tomaram decisões difíceis, mas com sabedoria. Eu plantei a semente, mas elas fizeram florescer.”
Pelo destaque na região, a Fazenda Morro Alto foi escolhida para sediar o Primeiro Encontro de Produtores Assistidos do grupo da técnica Wanessa. O evento reuniu produtores, lideranças do Senar e representantes do Sindicato Rural de Mara Rosa. “Foi um dia de aprendizado, troca de experiências e reconhecimento pelo trabalho dessas mulheres incríveis”, lembra Wanessa.
O programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Senar Goiás acompanha propriedades lideradas ou co-geridas por mulheres. Muitas dessas são heranças familiares que passaram de mãe para filha, como no caso da Fazenda Morro Alto.
A importância das mães rurais não se mede apenas em números, mas também no que deixam como legado. “Eu vejo na minha mãe o exemplo de força, de persistência. Tudo que sou como mulher e produtora vem dela”, diz Cleusa.
Lourdes, Cleusa e Cleide literalmente vestem a camisa da sucessão familiar. No uniforme criado durante esse processo de transformação de empresa rural, estampa-se uma frase que traduz seu propósito: “Mulheres que alimentam o mundo.”
Senar Goiás: capacitando mães para transformar o campo com autonomia e renda
De 2022 a 2024, mais de 85 mil mulheres participaram das qualificações do Senar Goiás. Muitas delas mães que buscavam melhorar a renda familiar sem abrir mão de estar presentes na criação dos filhos.
“Nós testemunhamos muitas mulheres que, além de cuidar da casa e dos filhos, tocam a propriedade ou têm algum negócio rural. Nosso papel é apoiar essa jornada com conhecimento, técnica e oportunidades”, afirma Dirceu Borges, superintendente do Senar Goiás.
Além da assistência técnica em 11 cadeias, o Senar Goiás oferece mais de 300 capacitações presenciais e 94 em EaD. Elas englobam desde atividades produtivas no campo, produção de alimentos caseiros, artesanato, cursos na área de gestão, empreendedorismo e liderança, entre outras.
Elas plantam futuro: o papel das mães no campo em Goiás
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE (2017), mais de 80 mil delas são responsáveis por estabelecimentos agropecuários em Goiás, representando cerca de 15% do total de produtores no estado.
Muitas são mães, que dividem as tarefas da produção com a educação dos filhos e a gestão da casa. O que as diferencia, no entanto, é a forma como integram essas dimensões da vida, estimulando nos filhos e filhas o amor pela terra e o desejo de dar continuidade à atividade rural.
De acordo com levantamento da Embrapa e da Rede Mulheres Rurais, cerca de 45% das mulheres do campo em Goiás participam diretamente das decisões da propriedade. E, entre as que são mães, mais da metade declara ter envolvido os filhos, desde cedo, nas rotinas da fazenda, prática fundamental para fortalecer a sucessão familiar.
Um exemplo dessa dedicação vem de Rio Verde. A trajetória de Lorena Carvalho é marcada por superação, consciência e transformação. Filha de produtores rurais, ela vivenciou desde cedo os desafios da sucessão familiar. Ainda criança, enfrentou a perda precoce do pai e viu sua mãe assumir sozinha a responsabilidade pela fazenda sem nunca ter sido envolvida nas decisões do campo.
“Minha mãe não sabia absolutamente nada sobre a fazenda. Não por falta de capacidade, mas porque nunca tinha sido envolvida nas decisões, na gestão, no dia a dia rural.”
Foi nesse momento difícil que Lorena despertou para a importância da presença feminina na gestão rural. Aos 16 anos, mudou-se para Rio Verde e, junto com o irmão, assumiu a responsabilidade de ajudar a mãe no arrendamento da propriedade da família. “A gente ganhava muito pouco, mas era o que dava pra fazer naquele momento. Minha mãe costurava para ajudar na despesa.”
Movida pela vontade de transformar a realidade da família e de tantas outras mulheres do agro, Lorena buscou formação técnica e acadêmica. Com o tempo, entendeu que a sucessão no campo precisa de mais do que preparo técnico: precisa de presença, valorização da história e participação ativa das mulheres. “Percebi que, se não houver preparo, conhecimento e participação, a sucessão vira um problema e não uma solução.”
Hoje, Lorena tem orgulho da trajetória que construiu. Ao lado do marido, Olavio Teles Fonseca, presidente do Sindicato Rural de Rio Verde, ela atua diretamente na fazenda da família, com foco especial na gestão de pessoas em sua granja, área estratégica para o bom funcionamento do negócio.
Além do trabalho no campo, Lorena se dedica à vida institucional do Sindicato Rural, atuando em projetos sociais que fortalecem a comunidade e valorizam a mulher do campo. “Nosso trabalho vai além do associativismo. Buscamos conscientizar e apoiar mulheres em seu papel no processo de sucessão. Seja como filhas, esposas ou líderes do próprio negócio. Queremos que cada uma entenda que seu lugar é onde ela quiser estar: participando ativamente, decidindo, gerindo e fazendo a diferença.”
Mais do que atuar pela sucessão familiar dentro da própria casa, Lorena também dedica seu tempo à educação das crianças do meio rural. Como embaixadora do projeto “De Olho no Material Escolar”, ela vive uma experiência transformadora, que une propósito, cuidado e visão de futuro.
“De certa forma, esse trabalho me faz sentir como uma ‘mãe’ de muitas crianças – não apenas pelas ações que beneficiam diretamente essas famílias, mas pelo cuidado, pela responsabilidade e pelo carinho com que tratamos cada etapa do projeto. Cuidar da educação é também cuidar do futuro do nosso campo.”
Para Lorena, o processo de sucessão começa pelo exemplo e pela valorização do campo como espaço de oportunidades. “Para as mães que sonham ver seus filhos dando continuidade ao legado rural, acredito que o mais importante é mostrar que o campo também é lugar de oportunidade, de realização e de propósito. Precisamos valorizar nossa história para que ela siga viva.”
Maria Eduarda Carvalho se inspira na dedicação da mãe. “Minha mãe me inspira todos os dias. Ela me mostra que a mulher pode estar em qualquer lugar, inclusive no agro, tomando decisões, ajudando outras pessoas e fazendo a diferença. Ver o que ela faz me dá vontade de também fazer parte disso”, conclui.
Faeg Mulher: fortalecendo mães e líderes no agro goiano
A Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) tem sido protagonista nesse movimento de protagonismo da mulher no campo, por meio de ações estruturadas. Uma dessas frentes é a Faeg Mulher, comissão de produtoras rurais que tem como missão promover o empreendedorismo rural e estimular a autonomia das mulheres no agronegócio, especialmente daquelas que também exercem o papel de mães.
A presidente da Comissão Faeg Mulher, Angela Van Lieshout, é produtora rural e, ao longo de sua trajetória, soube equilibrar o trabalho com o cultivo de grãos com a criação dos filhos, Eduarda e Pedro, que hoje também atuam no agronegócio. Por ter essa visão de dentro da porteira e da família, ela conduz com empatia as ações propostas.
“A Faeg Mulher tem o compromisso firme com o fortalecimento das mulheres do campo. Sabemos que elas são protagonistas no desenvolvimento da agropecuária, e por isso trabalhamos de forma contínua para garantir que tenham voz, reconhecimento e apoio em todas as etapas da vida no meio rural.”
Segundo Angela, é essencial que a mulher, mesmo que não esteja diretamente na lida diária, tenha conhecimento da realidade econômica da propriedade: “A mulher tem o direito e também o dever de saber a realidade dos negócios da família! Saber o tamanho do patrimônio e também saber o tamanho das dívidas, caso elas existam!”
As ações são voltadas especialmente para mulheres que são mães e produtoras, compreendendo os desafios de conciliar a gestão da propriedade com o cuidado da família. “Nós promovemos eventos que estimulam capacitação, autonomia, segurança para atuarem junto com suas famílias, ou até mesmo seguindo a carreira solo!”, afirma.
A sucessão familiar também é um eixo prioritário. “Atuamos com foco na sucessão familiar, incentivando jovens a permanecerem no campo com conhecimento, preparo e orgulho de suas raízes. Acreditamos que uma mulher fortalecida gera filhos mais preparados, famílias mais estruturadas e comunidades rurais mais sustentáveis.”
Angela finaliza com uma reflexão sobre o papel das mães: “A mãe é o esteio da família, a ponte que conecta pais e filhos, ela ouve as dores e sabe como melhor atendê-las! Na Faeg Mulher, trabalhamos para que cada mulher do campo, especialmente as mães, possam criar seus filhos com tranquilidade, dignidade e esperança no futuro. Esse é o nosso papel: cuidar de quem cuida da terra.”
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Comunicação Sistema Faeg/Senar/Ifag