No centro do Cerrado, bioma que abriga oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras, um projeto tem ajudado a preservar as nascentes. Ao todo, 1.037 fontes de água foram recuperadas em todo o território goiano entre os anos de 2015 e 2017 pelo Programa Proteção de Nascentes, desenvolvido pela Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural em Goiás (Senar Goiás), em parceria com os produtores rurais goianos.
Esse trabalho continua e, este ano, mais de mil pessoas foram capacitadas nos 82 treinamentos realizados por meio do programa. O produtor de leite, Thiago de Faria Porto, de 36 anos, foi um dos participantes em Sanclerlândia (GO), cidade a pouco mais de 150 quilômetros de Goiânia (GO). Ele conta que procurou a proposta pela preocupação com a falta de água na região. “Temos uma associação de produtores de leite e estamos apreensivos com a situação. As propriedades são todas muito próximas e todos percebemos que a água na nossa região tem diminuído de forma assustadora nos últimos anos. Queremos mudar antes que seja tarde”, afirma.
Thiago foi um dos produtores que procurou o Sindicato Rural de Sanclerlândia para levar o treinamento gratuito para a cidade. Dentro da propriedade de Thiago existe uma nascente que, segundo ele, está “bem degradada”. O produtor de leite afirma que herdou a terra do avô, que não se preocupava com o recurso natural. “Foi um processo que levou muito tempo. Meu avô comprou essas terras há 50 anos e de lá para cá ocorreu esse processo de degradação. Estamos agora buscando corrigir os erros do passado”, diz. Aos poucos o produtor se organiza para recuperar a nascente. “Estamos ainda buscando uma maneira de viabilizar a recuperação, porque é um processo dispendioso. Calculamos que precisamos de cerca de três mil mudas de árvores nativas para recuperar a nascente. Seguimos procurando apoio para tentar reverter esse quadro”, relata.
Monitoramento
Gestor do Departamento técnico do Senar Goiás, Marcelo Lessa conta que todas as nascentes recuperadas são registradas e recebem uma placa institucional. “Esse projeto visa justamente incentivar o produtor a recuperar nascentes que estejam em sua propriedade. Demarcamos o local, inserimos a placa do programa com suas respectivas coordenadas geográficas, com objetivo de registrá-la em nosso banco de dados e assim acompanharmos sua evolução. Vale ressaltar que os produtores participantes do programa são orientados em relação às melhores técnicas para recuperar e manter essas nascentes preservadas, por exemplo: quais espécies nativas de árvores devem ser plantadas e utilizadas para conseguir melhores resultados na recuperação; qual o espaçamento ideal para colocar essas mudas; qual tipo de adubação a ser utilizada, caso seja necessário. Trazemos, então, esse apoio técnico para o trabalho junto do produtor”, destaca.
Recuperação
Em um conceito próximo, o Sistema também realiza o programa de Recuperação de Mata Ciliar e Áreas Degradadas. Por ele já passaram 416 pessoas em 32 treinamentos realizados em todo o Estado. “Geralmente foram reflexo da ação humana. Mas basta o produtor ter vontade de aderir. As ações são gratuitas”, reforça Lessa.
Um campo sustentável
Marcelo Lessa ressalta que o homem do campo tem se mostrado mais preocupado com o meio ambiente como um todo. “Eu acredito que não exista mais resistência do produtor. Acredito que falte ainda informação entre aqueles que ainda não aderiram. O produtor está entendendo que o equilíbrio ambiental é importante para uma produção sustentável. E ao levar essa informação de que com práticas sustentáveis o produtor não estará perdendo dinheiro e, sim, promovendo um benefício, ele é o primeiro a abraçar a causa. É um retorno que ele vai ter na produção também. “O entendimento da Faeg e do Senar é que o meio ambiente equilibrado é importante para o produtor. É a matéria-prima dele, porque sem água ele não produz, sem solo fértil e equilíbrio ambiental também não. O produtor rural é o maior dependente e o maior amigo do meio ambiente. Enxergamos uma mudança de cultura”, complementa.
E para levar essa informação é que o Sistema tem desenvolvido uma série de ações para o campo. A Faeg e o Senar Goiás têm desenvolvido ações como treinamentos, cursos de qualificação e até mesmo assistência técnica, como por exemplo, o fomento da Agricultura de Baixo de Carbono - Programa ABC - que busca incentivar a adoção de práticas sustentáveis para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Dentro do projeto os produtores rurais goianos, de qualquer cadeia produtiva, são assessorados por técnicos. Mais de 300 produtores foram assistidos pelo projeto.
Em Orizona (GO), perto do povoado de Corumbajuba, está localizada a fazenda do produtor de leite, Ronaldo José de Castro, de 53 anos. Ele é acompanhado, há um ano e meio, por um agrônomo e aumentou sua produção de 500 para 820 litros de leite por dia. “O profissional me auxilia e muito, tanto no caixa da fazenda, como no levantamento dos dados do rebanho, no acompanhamento da produção diária e por mês do leite. Com a gestão conseguimos comprar mais novilhas e ampliar os ganhos”, explica. Ronaldo mantém a reserva legal dentro de sua propriedade e pretende investir, ainda este ano, em sombreamento. “Me explicaram que já é comprovado que a rentabilidade é maior, pelo simples motivo de que o sombreamento oferece um conforto térmico maior para o animal e, assim, oferece maior quantidade de leite. A reserva também auxilia nesse processo”, afirma.
Legislação
O gestor do Departamento Técnico do Senar Goiás, Marcelo Lessa, ressalta que, para alguns produtores, dúvidas ainda pairam sobre a legislação ambiental. “Especificamente ao conhecimento técnico no que tange as legislações ambientais, nesse contexto, criamos o programa Campo em Ordem. São realizadas palestras, quando são trabalhadas diversas temáticas, dentre elas, a regularização ambiental, para que o produtor possa desenvolver a sua produção com segurança jurídica e ele não seja autuado. Portanto, além da conscientização, o produtor deve seguir o que preconiza nossa atual legislação florestal. Como, por exemplo, respeitar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as áreas de reserva legal, o que muitos têm feito hoje”, cita.
Texto: Kamylla Rodrigues e Pedro Nunes
Foto: Larissa Melo