A terra que chegou às mãos dos produtores Terezinha Paula Silva Oliveira, 51 anos, e Iziomar Carlos de Oliveira, 56, por meio de herança, na região de Cachoeira Alta, no Sul de Goiás, é abrigo e esperança de futuro para família. É da pequena propriedade, a Fazenda Reserva, que eles conseguem renda por meio da pecuária leiteira e, mais recentemente, dos queijos artesanais. A nova empreitada foi uma forma de driblar a instabilidade do preço do produto e, ao mesmo tempo, agregar valor a ele.
Nesta nova etapa, o casal conta com a ajuda dos dois filhos, os estudantes Gustavo Paula de Oliveira, 17, e Guilherme Paula de Oliveira, 16, que desde a infância cultivam uma relação afetiva com o campo. Os jovens viveram na cidade apenas o suficiente para conseguir ir e voltar da escola para casa no transporte escolar. Por volta dos seis anos, já estavam de volta à fazenda, acompanhando a rotina que envolve a ordenha e o cuidado com os animais.
Neste ano, um evento familiar – o aniversário de uma avó – despertou em Iziomar o desejo de voltar a produzir queijos especialmente para a data. Em 1998, ele já havia tocado um pequeno laticínio, especializado em muçarela, que acabou não vingando por questões burocráticas. “Essa foi nossa base. Meus pais já sabiam (como produzir) e eu e meu irmão aprendemos e estamos levando o negócio”, diz Gustavo. Na internet, o primogênito da família Oliveira buscou informações sobre como trabalhar a massa e desenvolver diferentes tipos da especiarias, como muçarela, provolone, trancinhas, nozinho e frescal - com ou sem tempero.
Semanalmente, entre 400 e 500 quilos de queijo são produzidos na Fazenda Reserva. Os alimentos são vendidos em feiras de Caçu e de Cachoeira Dourada e também para particulares. O Instagram é uma das ferramentas para a divulgação dos produtos e para a realização de pedidos, explica Guilherme, o caçula da família Oliveira. “É muito útil para propaganda, divulgação. Fazemos vídeos no stories (recurso de gravação de vídeo que dura 24 horas) em dia de feira e quem quiser comprar pode fazer a encomenda pelo direct (mensagem privada)”, exemplifica.
Para o futuro, os planos da família são de aumentar a produção e os pontos de venda: uma fabriqueta está sendo construída na propriedade e deve ficar pronta em janeiro. Em outra ponta, os irmãos Oliveira apostam na própria formação como um dos caminhos para manter o legado familiar. Em 2017, Gustavo termina o Ensino Médio e planeja ingressar em Medicina Veterinária. Já Guilherme, que está no 2º ano, esperar cursar Ciências Contábeis.
O incentivo à formação é um dos legados que Iziomar e Terezinha estão deixando para os filhos. À Campo, ela explica que a participação em um curso de empreendedorismo rural a fez compreender que eles poderiam, com tecnologia e conhecimento, aumentar as possibilidades de ganho da propriedade. “Os meninos sempre tiveram interesse (no trabalho do campo) e nós começamos a entender que a gente tinha que formar sucessores e não herdeiros. Um herdeiro, quando crescer, não vai saber de onde tudo surgiu”, exemplifica Terezinha.
Ela própria foi uma sucessora rural, mas “com um pensamento antigo, de fazer o que meu pai fez, o que meu avô fez.” Ao apostar na relação próxima com os filhos e no incentivo aos estudos, a ideia do casal foi minimizar as dificuldades que Gustavo e Guilherme poderiam enfrentar na lida diária na propriedade. “A gente quer que eles aprendam que aqui podem tirar o sustento, sem que isso impeça que continuem os estudos, pois devem buscar conhecimento para voltar a propriedade aplicar aqui”, pondera a produtora.
Formação de lideranças
Gustavo e Guilherme fazem parte do Faeg Jovem, iniciativa focada no empreendedorismo e no estímulo à participação em decisões relevantes no agronegócio e no fomento ao relacionamento com sindicatos e cooperativas. O programa já chegou a 70 municípios goianos, como informa o gerente de Educação Formal do Senar Goiás, Fernando Couto. “Trabalhamos para que eles estejam preparados para assumir os negócios da família ou posições de liderança, para continuar fortalecendo o setor no cenário municipal e no Estado como um todo”, afirma.
Além disso, neste ano, o Senar Goiás e a Faeg lançaram o Agrojovem, ação formativa baseada em quatro módulos, cada um com 16 horas, com conteúdos de formação continuada nas áreas de agronegócio; oratória e comunicação; liderança e gestão de pessoas; empreendedorismo e plano de negócios. “Envolvemos todos esses aspectos que importantes para o perfil de uma liderança”, analisa.
Na visão de Couto, o caminho para garantir a sucessão rural passa por transformar o campo em um ambiente mais atrativo, que, entre outros aspectos, dê condições para o desenvolvimento profissional. Ele lembra que os jovens têm um perfil, em geral, diferente dos pais, mais dinâmico e antenado com inovações tecnológicas. “Se ele perceber que o negócio pode ser rentável, atrativo, prefere ficar na propriedade do que se arriscar em busca de um emprego na cidade”, exemplifica.
Gestão
Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da consultoria Markestrat, Fabio Matuoka Mizumoto, as novas tecnologias podem ajudar o processo de atração da juventude para a zona rural. Ele cita as startups e outros negócios que buscam levar mais assertividade ao campo. “Novas tecnologias de comunicação, de digital, podem permitir a gestão à distância. Elas têm como impacto a facilitação do interesse dessa nova geração para trabalhar junto aos pais”, diz, ressaltando a importância da sucessão familiar no contexto rural.
O especialista lembra que muitas famílias controlam não só negócios dentro da porteira, mas também outras atividades ligadas à agricultura, como a venda de insumos. Nesse contexto, os relacionamentos pessoais cultivados ao longo dos anos também são fatores importantes – assim como dinheiro e patrimônio acumulado. “Precisamos considerar o da gestão. Como vou transmitir para meus sucessores o conhecimento e a rede de contatos para a continuidade dos negócios?”, alerta Mizumoto.
Outro desafio diz respeito à conciliação de diferentes visões do negócio. Para minimizar o impacto dessas diferenças geracionais, aconselha o professor da FGV, é necessário diálogo e uma disposição para compreender as escolhas do passado. “Se a nova geração é orientada a entender como os negócios foram desenvolvidos, que nem tudo foi perfeito e várias decisões difíceis tiveram que ser tomadas, ao assumir o negócio, esse jovem poderá ter uma conexão muito maior com o pai, com o avô para depois pensar em incorporação de novas tecnologias, novas formas de gestão, sugestão de mudanças”, lista.
As mudanças, aliás, devem ser implementadas de forma gradativa, defende o especialista, conciliando inovação com práticas já consolidadas. Um exemplo diz respeito ao manejo. É possível, ilustra o professor, conciliar formas tradicionalmente adotadas com novos modelos de produção. “A nova geração pode experimentar em 10%, 20% da propriedade. A experimentação talvez seja a melhor maneira de conciliar, de abrir uma janela de aprendizado. Pode ser que a geração titular aprenda algo novo e, eventualmente, que a nova geração entenda que o está sendo feito hoje seja o bom, o melhor”, compara.
União
O caminho da união familiar e da experimentação já é conhecido pela engenheira agrônoma Eliamar Oliveira Santos, 50, de Rio Verde. Primeiro, como sucessora. Hoje, preparando o terreno para aqueles que a vão suceder. Nascida e criada no meio rural, ao longo da infância e da adolescência, ela se dedicou aos estudos e, nas horas vagas, ao auxílio aos pais. “Trabalhava com eles na fazenda no manejo de animais, no plantio a colheita das lavouras, hortaliças e frutas. Tudo que produzíamos era comercializado em Rio Verde, minha irmã também ajudava nas vendas dos produtos. Dessa forma, surgiu o aprendizado e o gosto pelo meio rural”, recorda.
A confiança dos pais veio aos poucos. Junto com ela, a transferência paulatina de responsabilidades. “A sucessão foi bem gradativa, até eles sentirem seguros e decidirem transferir patrimônio. Hoje, tenho muito orgulho de meus pais e sou muito grata por tudo que eles me ensinaram”, analisa. Agora, ela vem formando seus sucessores: os filhos Gabriel Ferro, 21, e Filipe Ferro, 19, ambos estudantes de Agronomia. Eles atuam na empresa de consultoria e o diálogo sobre sucessão rural tem sido “produtivo e vantajoso”, nas palavras de Eliamar.
Gabriel, porém, quase enveredou pela rota da Medicina, por incentivo da própria mãe. Ele chegou a se mudar para Goiânia, para cursar o Ensino Médio e se preparar para o vestibular. Na capital, decidiu cursar Agronomia e a aprovação no Instituto Federal Goiano, em Rio Verde, o levou de volta para casa. “Pelo vínculo que tenho na cidade com meu avô e com minha mãe, resolvi cursar aqui, pois seria mais produtivo. Me formo no ano que vem e nesse período (quatro anos) tive tanto a experiência na fazenda quanto na empresa”, explica ele, referindo-se à Fazenda Santa Marta, propriedade da família distante 16 quilômetros de Rio Verde.
Outro ponto positivo para a formação são as frequentes reuniões e as discussões realizadas pelo Faeg Jovem, do qual Ferro faz parte há quase dois anos. “Participamos de eventos que conhecemos a partir do grupo, atuamos em projetos sociais, por meio do Sindicato Rural, e também procuramos alternativas para ajudar o produtor rural. Com meu trabalho, tenho acompanhamento tanto da faculdade quanto do escritório. É um 'estágio' que estou fazendo desde o começo da faculdade”, diz Gabriel, hoje um dos sócios proprietários do escritório, ao lado da mãe e do irmão caçula.
Eliamar, por sua vez, vê com bons olhos a escolha do filho pela Agronomia e acompanha de perto seu trabalho na consultoria aos produtores rurais. “Tenho certeza que ele dará continuidade no nosso negócio com eficiência”, prevê. “A nova geração chega sempre querendo fazer inovações, são ideias diferentes e para conduzir estas situações, por isso, conversamos bastante. Para conciliar essas visões do negócio rural é de suma importância a paciência, saber ouvir as opiniões, discuti-las e estar aberto a novas ideias”, ensina.
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