Peças-chave em um processo fundamental para o equilíbrio do meio ambiente – a polinização de plantas - as abelhas também são personagens centrais em uma atividade caracterizada pelo fácil manejo, dentro da porteira, e pelo mercado garantido, fora dela: a apicultura. O consumo é assegurado tanto no Brasil quanto em outros países. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços apontam números expressivos para a atividade, neste ano.
De janeiro a setembro de 2017, foram exportadas quase 21 mil toneladas de mel: um faturamento de 93,4 milhões de dólares. Para se ter uma ideia, em todo o ano passado, as exportações chegaram a pouco mais de 24 mil toneladas, com um faturamento de 92 milhões de dólares. O maior importador foram os Estados Unidos. As ‘pequeninas’ abelhas trabalham na produção cera, própolis, geleia real e, claro, o mel – o mais produto apícola da pauta de exportação brasileira nesse segmento.
A apicultura se mantém firme em todo o País, geralmente sendo conciliada com outras atividades. Os produtores goianos estão entre os que têm a comemorar. É que a qualificação pode significar o grande salto no negócio, como aconteceu com o casal de biólogos Ítala Roberta Carvalho, 32 anos, e James Allen Brockes, 34. Noivos, eles se mudaram de Goiânia para a zona rural de Piracanjuba, no Sul do Estado, há quatro anos.
Na Fazenda Natura, o pai de James já trabalhava com abelhas, mas de forma muito intuitiva. Há pouco mais de um, o casal começou a se interessar pela atividade e passaram a investir no negócio. O grande salto veio com cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), que ensinaram as técnicas desse tipo de atividade. “A partir das colmeias do meu sogro, vimos que a fazenda era produtiva, tem uma área verde grande, mais de 60%. Então, fomos procurar mais informações”, lembra Ítala.
Segundo ela, de um ano para o outro, após os cursos, a produção mais do que dobrou: saiu de entre 40 e 60 quilos para 160 quilos. O apiário passou de quatro para 21 caixas e deve chegar a entre 40 e 50 caixas, em 2018. “A partir das técnicas, a gente pode organizar as colmeias para ter o aumento da produção”, relata a produtora. A meta é produzir a primeira tonelada de mel já no próximo ano.
James explica que a maioria das abelhas da safra 2016/2018 foi capturada com o cultivo em andamento e não conseguiram produzir mel em uma escala mais expressiva. “Mas na safrinha a expectativa é de 300 quilos e na safra em torno de 900 quilos a uma tonelada”, prevê. A apicultura está dando tão certo que o casal já planeja deixar de lado a venda de plantas pela internet, negócio que tocavam há alguns anos.
O foco é comercializar os produtos em Piracanjuba, Goiânia e no Entorno do Distrito Federal (DF), futuramente. “Vi que a apicultura é bem mais interessante, prazerosa. No caso da venda para a internet, dependemos do correio e tem atrasos. Estamos correndo atrás da regularização para a venda e, além do mel líquido e em favo, queremos comercializar a própolis”, adianta.
Qualificação
Ítala e James fizeram os cursos básico e avançado de apicultura, ofertados pelo Senar Goiás. Com aulas teóricas e práticas, as formações enfocam a organização e a estruturação do negócio, como explica o coordenador técnico do Senar Goiás, Marcelo Penha Silva. “A apicultura, além de ajudar na questão da produção de vegetais, da polinização, auxilia na composição do ganho econômico da propriedade”, ressalta.
Ele informa que no curso básico é feita uma identificação do potencial da região, em termos de fauna e flora; o manejo do apiário, bem como sua implantação; os equipamentos; custos de produção e atividade de comércio. Já o avançado foca na especialização do apicultor, como o trabalho com a cera; a qualidade dos equipamentos para extração do mel; a rotulagem dos produtos e a busca de nichos no mercado. Em ambos, a carga horária é de 24 horas.
Já em 2018, o Senar de Goiás deve oferecer o curso de produção de rainhas, as responsáveis por manter a ordem da colônia, por meio da substância química feromônio. Também fazem parte da colmeia a operária – fêmea que não desenvolveu a parte reprodutiva e trabalha na construção dos favos, na limpeza, proteção e busca por alimentos. O zangão tem apenas a função reprodutiva.
“A gente tem tradição na agricultura, no gado de corte e de leite, mas não tem nessa área. Nós estamos estruturando essa produção. A apicultura completa o rol de atividades da propriedade e muitos produtores relataram que é também um fator anti-estresse. Ele foca tanto no manejo e esquece do dia a dia. É como se fosse uma terapia, é uma atividade prazerosa”, comenta Silva.
Os produtores também contam com o auxílio do Senar Mais, que atua em sete cadeias, entre elas a apicultura. O gerente de assistência técnica e gerencial Guilherme Bizinoto explica que o foco é na gestão da atividade. “Buscamos a profissionalização dos produtores. A apicultura é geralmente uma atividade secundária, mas toda propriedade tem a possibilidade de desenvolvê-la”, ressalta. Ele explica que grupos de 25 a 30 produtores são formados e recebem visita mensal do técnico do Senar, numa espécie de consultoria individual.
Hoje, o grupo de assistência técnica está em Porangatu, sob a responsabilidade do zootecnista Yuri Gonçalves dos Santos, a segunda geração da família envolvida com apicultura. “Uma vantagem da atividade é que o produtor não precisa ter uma grande área de terra, basta um local para colocar suas caixas. O grande desafio é se tornar um profissional da apicultura, praticar as técnicas e com isso aumentar a produção e a lucratividade”, aponta.
Embora a atividade possa inclusive ser desenvolvida em áreas de preservação, é preciso tomar alguns cuidados, como garantir o abastecimento de água e o fácil acesso ao apiário, conforme explica o zootecnista. O lugar escolhido deve estar longe da criação de animais aglomerados, como as granjas de aves e porcos. Cuidados com as abelhas também são importantes, como garantir a alimentação na entressafra e cuidar da segurança, evitando o ataque de cupins e de formigas.
União
Além da assistência técnica, outro caminho para fortalecer os apicultores tem sido o de entidades de classe. É o caso da Associação dos Apicultores do Estado de Goiás (API-Goiás), criada há 37 anos. A presidente da entidade, Maria José Oliveira, destaca o papel da qualificação para a atividade. “É preciso saber fazer a troca de rainhas e aplicar essa técnica para melhorar a qualidade genética dos enxames e com isso aumentar a produtividade. Além disso, é necessário que as reservas de cerrado sejam preservadas pois sem flores não há produção de mel”, enumera.
Ela cita o trabalho do Senar de Goiás e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Goiás (Sebrae Goiás) como forma de apoio e de qualificação. Desde 2002, por exemplo, o Sebrae desenvolve o projeto Apicultura no Estado de Goiás, focado na rentabilidade e na estruturação da cadeia. Nos últimos 15 anos, cursos, dias de campo e congressos contribuíram com o empoderamento do setor apícola.
O atual gestor do projeto, Antônio Talone, informa que neste mês será finalizado um mapeamento dos apicultores goianos, com informações como região de origem e produção. Gestora da iniciativa entre os anos de 2006 e 2014, Daniela Caixeta lembra que a atividade é rentável e que o produtor, rapidamente, consegue o retorno do seu investimento. “É uma das poucas atividades que em um ano você consegue o retorno. Você investe R$ 5 mil em 10 caixas e com aquela produção paga o investimento”, explica, citando a boa aceitação do mercado de consumo.
Diversificação
Além da produção do mel, há quem atue em outras frentes da cadeia apícola. É o caso do casal Janaína Nicolini, 40, e Armindo Vieira, 42, da Cia da Abelha. O negócio começou em Belo Horizonte, onde a família de Vieira já tocava a criação dos insetos desde a década de 1980. Quando se casaram, há 13 anos, ela passou a trabalhar com a apicultura. Há dez anos, eles estão em Goiás, atuando na produção de mel, capacitação e fabricação de máquinas.
São três apiários: dois em Aparecida de Goiânia e um em Guarinos, na fazenda do pai de Janaína, somando 170 colmeias. Eles explicam que o manejo é simples, mas precisa de alguns cuidados, como com a alimentação do inseto, para garantir a produção desde o primeiro dia da safra. “O manejo é feito basicamente com a troca de rainhas, no momento certo, troca de favos velhos e alimentação, uma ração em pó, a base de milho, soja e trigo ou xarope de água com açúcar”, explica Janaína.
Toda a produção é vendida na loja, no setor Parque Atheneu, em Goiânia. Por ano, são entre 8 e 12 toneladas. “A variação é por conta do clima. O conhecimento da técnica é fundamental para produzir”, afirma. Janaína explica que depois de colhido, o favo de mel passa por um beneficiamento. Na chamada desoperculagem, uma espécie de “capa” que cobre o favo, é retirada. Após isso, ele é processado na centrífuga. O mel vai para um decantador, onde descansa por 72 horas. Lá, ar e impurezas, são separadas. Depois da decantação, o líquido é armazenado em baldes ou vai para a embalagem final, que será rotulada e vendida.
Armindo descreve que, no início, a produção apícola era voltada apenas para o consumo da própria família. Só depois o hobby virou negócio. Hoje, ele vê o setor em pleno crescimento, no Brasil e para o exterior. “Em termos de faturamento, a cadeia do agronegócio apícola movimenta quase R$ 1 bilhão tanto a parte de produção, na fazenda, quanto na área da indústria, na parte beneficiamento para exportação e quanto dos produtos voltados para o consumidor final”, analisa Vieira.
O casal também aposta nas áreas de fitoterapia, com o mel consorciado a ervas medicinais como o agrião, o gengibre e guaco; e de cosméticos, como shampoos, cremes, loções, óleos corporais, feitos com mel e geleia real. “Todos os produtos da abelha têm uma gama variada de substância químicas e biológicas com componentes que sequestram a atividade do radical livres no organismo, tanto no produto oral, quanto no sentido da estabilidade do cabelo e da pele, retardando o envelhecimento de células”, detalha.
Desaparecimento
Se a qualificação dos apicultores traz boas notícias para o setor - como a melhora na produtividade – o desaparecimento das abelhas preocupa produtores e ambientalistas. A presidente da API Goiás, Maria José Oliveira, diz que a entidade está em busca de parcerias para resolver a questão da morte de abelhas provocada pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. O desaparecimento dos insetos impacta não só na produção do mel: 70% do alimento depende da polinização de plantas pelas abelhas e 85% da área verde do planeta do trabalho de polinização delas.
Além do uso de pesticidas, nos últimos anos, as abelhas também têm sofrido com a Desordem do Colapso da Colônia (CCD), que provoca seu desaparecimento. A causa da CDD ainda não foi definida, mas acredita-se que uma interação de fatores pode estar interferindo no sistema imunológico das abelhas e causando o problema. Entre eles, o ácaro Varroa destructor, o fungo Nosema ceranae, alguns vírus, pesticidas, em especial do grupo de neonicotinoides, e manejo intensivo e estressante. No Brasil, embora alguns casos tenham levado a suspeita de ocorrência dessa síndrome, ainda não houve uma comunicação oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Diene Batista, especial para a revista Campo
Fotos: Fredox Carvalho