Produção ainda é pequena em Goiás, mas há possibilidade de crescimento por causa da
versatilidade da fruta, que pode ser aproveitada in natura, industrializa e até no ramo de cosméticos
De aroma forte e sabor intenso, a goiaba conquistou o paladar da população na forma in natura ou mesmo industrializada. Quem é que resiste ao ‘Romeu e Julieta’, doce que mistura queijo e goiabada? É uma tradicional sobremesa brasileira, cuja origem se deu em Minas Gerais, mas que extrapolou as divisas desse estado e está presente em todo o País. É também rica em nutrientes e versátil, servindo de matéria-prima para a indústria de alimentos, com foco em sucos, geleias, frutas em caldas e até ketchup, assim como para setores variados, como o de cosméticos. Essa diversidade na utilização tem motivado produtores e empresas a apostarem no plantio, na comercialização e na industrialização da fruta, contribuindo ainda para a criação de emprego e renda e por movimentar diferentes setores econômicos.
No quesito produção, o Brasil ocupa a primeira posição no ranking mundial de goiaba vermelha, enquanto a Índia ganha na goiaba branca. Os estados de São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro concentram 80% do que é produzido no País. Apesar de Goiás não estar nessa lista, existem iniciativas no Estado para tentar fortalecer esse ramo da fruticultura. Porém, se por um lado ainda não há produção em larga escala, por outro é comum encontrar goiabeiras espalhadas pelos quintais de casas e até mesmo em calçadas. A explicação pode estar na forte ligação do goiano com o campo e com as recordações familiares, especialmente no interior do estado, de ‘pegar a fruta no pé’ e já sair comendo.
O produtor Nazir Rosa, da Fazenda Rosa dos Ventos, em Morrinhos, é conhecedor da cultura e investiu na produção de goiaba há 12 anos para diversificar a atividade rural e até os rendimentos. “Eu já era sócio de uma indústria, que inicialmente foi criada para produzir extrato de tomate, conserva de milho doce, ervilha, azeitona e molho de tomate. Com as máquinas, aproveitei para fazer o doce de goiaba, que segue o mesmo padrão de fabricação do molho de tomate”, ressalta. Em média, Nazir colhe 10 caixas de 25 quilos por goiabeira. O ganho com a produção e industrialização ainda é mínimo, por isso continua a desenvolver outras atividades no campo, como plantio de feijão, milho, soja e sorgo. “Se uma plantação não está tendo bom resultado, corro atrás de outra. Além de vender goiaba para indústria, diversifico as vendas em caixas em Caldas Novas nos finais de semana ou período de férias. Estou verificando uma forma de vender na entressafra, quando não tiver goiaba em lugar nenhum. Assim, poderei vender com preço melhor e ter mais lucro”, defende.
O engenheiro agrônomo e produtor rural, Vivaldo de Souza Machado, também investiu na goiaba por causa do produto e interesse das indústrias locais da região de Morrinhos. “Terminamos a colheita no em abril e este ano a fruta me rendeu a produção de 1300 toneladas. Para alcançar este resultado foram necessárias poda, controle de ervas daninhas, tratamentos fitossanitários e colheita totalmente manual”, explica.
Manejo e cuidados
O engenheiro agrônomo, mestre e doutorando em Agronomia, Fernando Couto de Araújo explica que as cultivares comerciais da goiaba são divididas nos grupos, de polpa branca ou avermelhada, sendo destinadas para a indústria ou a mesa, ou seja, consumo in natura. “As mais cultivadas são de cor vermelha, pois são mais atrativas e atendem à preferência da indústria. Como exemplo de cultivares mais plantadas no Brasil podemos citar Paluma, Século XXI, IAC 4 e Ogawa 1” informa. Ele explica que para o plantio da goiaba, primeiramente deve ser feita uma correta aplicação de calcário na área para a correção da acidez e toxidez de alumínio do solo e para fornecimento de alguns nutrientes, caso necessário de acordo com a análise de solo.
Além disso, ele informa que é recomendada a realização de adubação orgânica e química, por meio da aplicação de composto orgânico (esterco bovino, cama de frango, ou outro disponível na região) e de fertilizantes à base de fósforo, potássio e micronutrientes, aplicados na cova de plantio. Após o plantio, o agrônomo afirma que a orientação é adotar uma adubação de cobertura de forma parcelada, para fornecimento dos nutrientes necessários para o desenvolvimento e produção da cultura. “Entre as técnicas de manejo, atenção especial deve ser dada na escolha de uma cultivar adequada para a região e que atenda a demanda do mercado consumidor local. O espaçamento também deve ser bem planejado de acordo com as características do cultivar, da propriedade e do nível de mecanização adotado, visto que após a implantação da lavoura não é possível alterá-lo. Além disso, o produtor deve adotar as práticas corretas de poda e de manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, visando proporcionar as condições ideais para o melhor desenvolvimento e produtividade da lavoura, com boa qualidade dos frutos colhidos. Para um melhor resultado, o produtor pode contar com as orientações técnicas de um profissional especializado na área” afirma Fernando Couto.
As tecnologias aplicadas à fruta, em lavouras de alto nível são a utilização de técnicas como a irrigação, com o correto manejo racional do uso da água, que proporciona ganhos de produtividade em diferentes épocas do ano. “Entre os sistemas disponíveis, a irrigação localizada, como por gotejamento, é a mais indicada para o cultivo da goiaba por requerer menor volume de água e ainda possibilitar a aplicação de fertilizantes através da irrigação, ou seja, da técnica de fertirrigação. Goiabeiras sadias provenientes de mudas de enxertia podem entrar em produção a partir do segundo ano de cultivo” orienta.
Principais municípios produtores em Goiás
Morrinhos
Edealina
Três Ranchos
Águas Lindas de Goiás
Nerópolis
Goianápolis
Campo Limpo de Goiás
Aragoiânia
Fonte: IBGE/2017
Experimentos no Sudoeste Goiano
A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Danielle Fabíola Pereira da Silva, se uniu a um grupo de pesquisadores para implantar a goiabeira ‘Cortibel’, no Sudoeste Goiano, como forma de diversificação de renda para os agricultores da região. Os trabalhos são feitos com a produção de mudas da goiabeira. Ela explica que o sucesso da produção está diretamente ligado à qualidade dessas mudas, porque influencia no desempenho e produção final. “Frutos da variedade ‘Cortibel’ são altamente atrativos ao consumidor. Por apresentar tamanhos grandes, com alto rendimento de polpa, paladar agradável e alta conservação pós-colheita, são indicados para a comercialização in natura, tendo na produção inicial um formato oblongo, que possui mais comprimento que largura, e com o passar dos anos, tende a ficar mais arredondado e de casca lisa. Além disso, a planta é vigorosa e resistente a alguns fungos” afirma.
Em fase inicial, o projeto mostra-se bastante promissor já que os resultados preliminares contam com sementes cultivadas no substrato areia, que alcançaram 93,3% de germinação, o que pode ser explicado pelas condições ideais de porosidade proporcionadas pelo substrato. De acordo com os pesquisadores, o substrato areia proporcionou maior taxa de germinação, sendo uma técnica de baixo custo na propagação dessa variedade. A potencialidade da região vigora com os resultados para cultivo da goiabeira, através dessa técnica de propagação e fácil acesso aos produtores.
Para a indústria
A goiabada Predilecta é exportada para dezenas de países e líder no mercado interno com uma característica de sabor menos ácido e bem palatável. O responsável pela produção em larga escala é o empresário Antonio Carlos Tadiotti, de São Lourenço do Turvo, interior paulista. A empresa possui um processamento de 75 mil toneladas por ano, o que representa 27% do faturamento da Predilecta Alimentos. Com tantas propriedades polpudas, a fruta que é uma excelente opção de alimento, seus derivados também produzem sucos integrais num mix com outros sucos tropicais prontos para beber.
O empresário informa que o percentual do suco de goiaba é adicionado para se obter uma adição natural de vitamina C devido ao grande teor, de quatro a cinco vezes mais que a laranja apresenta. Grande pesquisador da área, Tadiotti colhe resultados desse empenho no melhor aproveitamento da goiaba. “Maior processadora de goiabas do mundo, a empresa apresenta posicionamento diferenciado com relação à cadeia produtiva. Temos um departamento agrícola bem aprimorado formado por engenheiros e técnicos que garantem a qualidade do produto do campo até à mesa” afirma.
O processo começa quando a empresa fornece a muda de goiaba a um custo que é descontado do valor pago pela fruta num período de dois anos. Durante o cultivo são fornecidas orientações de poda e irrigação para que a produção de matéria-prima aconteça o ano inteiro. “Nós perenizamos a produção de goiaba. Com irrigação e poda escalonada, é possível distribuir a produção da fruta ao longo do ano. Já conseguimos extrair de um pé de goiaba 540 quilos de fruta em 13 meses, contra 280 quilos por árvore numa plantação sem o trinômio que corresponde a poda, irrigação e tratos culturais” ressalta o empresário.
Correlata
Mil e uma utilidades
Já pensou cuidar da pele com um protetor solar sustentável e inovador? A proposta ganhou forma e está sendo comercializada pela Suave Fragrance, localizada em Aparecida de Goiânia. A responsável é a mestra em Ciências Farmacêuticas e bacharel em Química Industrial, Lívia Pereira Gomes Milani, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que trabalha com pesquisa e desenvolvimento de cosméticos. “A escolha pela goiaba acompanhou alguns trabalhos que já estavam em andamento. Sempre quis trabalhar com fotoproteção e quando surgiu a ideia de unir a sustentabilidade e a goiaba, me apaixonei logo de início porque meus olhos brilham pelo assunto. Pessoalmente foi desafiador e gratificante, porque este trabalho ganhou uma dimensão inesperada. Desde a banca de defesa, o produto teve uma destinação comercial. Foi a realização de um sonho o mestrado e uma evolução na vida profissional, porque eu queria que o resultado fosse o aumento do valor de FPS e, consequentemente, a proteção solar de um cosmético, e foi extremamente positivo já que aumentou em 18% seu fator de proteção” lembra.
O bioativo presente no cosmético apresenta uma tendência de vegetalização de fórmulas. “O consumidor gosta de apelos naturais em produtos. Não é novo, já vem de um tempo e está em alta novamente, principalmente na indústria de cosméticos. O ativo é responsável pela função da atividade biológica, enquanto o bio vem de natural” informa Lívia. Os principais benefícios do protetor, apontados pela química, foram a preocupação com o futuro do meio ambiente, por isso, se trata de um produto voltado para a sustentabilidade, com valor agregado, inovador e possui uma redução de custos e leva uma solução para a agroindústria. “É considerado na indústria como rejeito. No momento de despolpamento, a semente vira rejeito que é o nosso luxo”, revela.
Como todo caminho de pesquisa este apresenta seus desafios também por se tratar principalmente de um resíduo. “Tivemos a dificuldade de padronizar a matéria-prima. Por ser produto natural, ele pode alterar sua composição de acordo com a época do ano, o solo e a irrigação. O rendimento é menor por ser só da semente e convencer o consumidor da inovação do produto também é desafio. O protetor solar é um benefício, as pessoas o reconhecem como algo novo, que auxilia o meio ambiente, é sustentável e funciona, mas tudo isso ainda não é determinante para a compra. Por isso é importante mostrar os diferenciais do produto, principalmente porque ele funciona” explica.
Lívia contou à Campo que já existiam outros trabalhos na UFG, mas com outras direções. “Os resíduos da goiaba são as sementes retiradas da agroindústria no momento de despolpamento da fruta. O que sobram são as sementes que as utilizamos. Para nós não é resíduo, é uma parte não aproveitada da fruta. Fomos pesquisar o que continha nas sementes, os metabólitos, as substâncias e percebemos uma estrutura química muito parecida com a dos filtros solares. Cada ingrediente fotoprotetor atua de uma forma específica, e nos testes acrescentei a semente de goiaba em uma formulação cosmética, para em associação com outras matérias-primas, ter atividade biológica. Fiz uma formulação e coloquei um filtro tradicional muito utilizado. Acrescentei o extrato de goiaba que desenvolvi para observar o sinergismo com o filtro que tinha ali. Houve um aumento expressivo por ser um resíduo, uma parte da planta com eficácia tão alta. Fiquei surpresa com o resultado do teste e bastante empolgada”, esclarece.
Resultados
Feito com extrato de goiaba, o protetor solar não agride o meio ambiente e oferece alta proteção contra os raios UVA e UVB. Foi dermatologicamente testado, é antioxidante, previne o envelhecimento precoce, é resistente à água e para todos os tipos de pele. Ele possui fator de proteção solar (FPS) 30 e contém 120 gramas. “Os filtros solares sintéticos têm uma tendência a causar irritabilidade, alergia ou algum tipo de sensibilização. Já os produtos naturais associados causam menos reações, e o nosso protetor é considerado hipoalergênico”, afirma.
Lançado em outubro do ano passado, o protetor e o gel são vendidos pelo catálogo. “Trabalhamos com venda direta, que é para o distribuidor. Ele tem sua equipe de vendas com as consultoras que divulgam pelas redes sociais, e possuem as clientes. A venda é personalizada porque alguém te explica como funciona o produto, apresenta os diferenciais. Trabalhamos a arte, o jogo das cores da goiaba. Hoje, as empresas têm o mesmo sistema de vendas porque a estrutura do lucro é diferente. Existem outros canais de vendas, o e-commerce, e o mercado está mudando” conta Lívia.
Fotos: Fredox Carvalho
Texto:Caroline Santana, especial para a Revista Campo