Representantes do setor produtivo e empresários avaliam consulta publicada pelo governo federal
O Brasil está com as menores vazões hídricas desde 1930 e diante do cenário de escassez nas hidrelétricas, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma consulta pública com diretrizes para oferta adicional de energia proveniente da bioletricidade - cogeração de energia a partir da queima do bagaço e da palha da cana-de-açúcar. Considerada uma energia limpa (isenta de gases de efeito estufa) e renovável, a produção de energia através da biomassa da cana está crescendo em Goiás, apontam o diretor-presidente da Jalles Machado, Otávio Lage de Siqueira Filho e o presidente dos Sindicatos da Indústria de Fabricação de Açúcar e de Etanol do Estado de Goiás (Sifaeg/Sifaçúcar), André Rocha. Além dos ganhos ambientais para a sociedade e da possibilidade de novas receitas para o setor sucroenergético, a nova medida governamental deve ajudar o país a atravessar o período de seca e a confirmar sua vanguarda no desenvolvimento de fontes alternativas de energia.
Segundo o Ministério, o objetivo da Portaria 527, publicada em 22 de junho, é ampliar a geração e complementar o suprimento do Sistema Interligado Nacional (SIN), reforçando a diversificação da matriz elétrica nacional e contribuindo para mantê-la limpa, com mais confiabilidade e a segurança no atendimento energético e menores custos.
A oferta adicional de geração das usinas será utilizada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) como recurso adicional para atendimento ao Sistema Interligado, desde que seja deliberada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Os agentes interessados em participar do mecanismo de compra deverão encaminhar, mensalmente, ao ONS as ofertas adicionais de geração. Caberá ao operador apresentar as ofertas para o Comitê. Estas serão acompanhadas de estudo, elaborado pelo ONS com a justificativa e recomendação para eventual aceite.
A geração de energia elétrica proveniente das ofertas poderá ocorrer por período mensal, até o limite de seis meses, de forma a atender o montante estabelecido pelo CMSE e desde que observada a segurança operativa. As ofertas adicionais enquadradas nos termos da Portaria não estarão sujeitas ao rateio da inadimplência no Mercado de Curto Prazo, resultante do Processo de Contabilização no âmbito da CCEE, que se encontra impactado por ações judiciais desde 2015.
Para o gerente de Bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Zilmar Souza, a portaria é importante para as usinas à biomassa, representando uma quebra de paradigma de permitir a geração, e principalmente a comercialização, acima do que a usina tinha planejado. “Será uma forma de a biomassa poder ajudar, ainda mais do que ajuda, com este momento crítico de escassez hídrica, com uma energia renovável e sustentável para a sociedade civil”, destaca.
Apoio à medida
Em 2020, a bioeletricidade produzida no País foi equivalente à energia gerada por três usinas de Belo Monte. Um levantamento realizado pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), em parceria com a Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), apontou que centrais movidas à biomassa, principalmente de bagaço de cana, poderiam melhorar o cenário de oferta atual e gerar 1.249 GWh (gigawatts-hora) adicionais em energia, entre julho e dezembro de 2021, e mais que o dobro disso em 2022, por meio do incentivo governamental à contratação emergencial de compra da produção extra fornecida pelas usinas.
De acordo com a Unica, embora a população não possa optar por usar exclusivamente a bioeletricidade, ela pode ser comprada pelas grandes distribuidoras em leilões feitos pelo Governo Federal. As distribuidoras fornecem esse tipo de energia para milhões de pessoas em todo país desde 2005.
O Sifaeg/Sifaçúcar calcula que cada tonelada de cana moída na fabricação de açúcar e etanol, gera, em média, 250 quilos de bagaço e 200 quilos de palhas e pontas, que garantem a energia elétrica suficiente para abastecer as usinas durante o período da safra, além de gerar excedente para o sistema elétrico brasileiro.
Segundo o presidente da entidade, André Rocha, o potencial de bioeletricidade brasileiro está adormecido e as usinas de cana têm capacidade para gerar o dobro da energia produzida na usina Itaipu a partir da biomassa. André indica que a Portaria 527 pode colaborar para que o país tenha autossuficiência energética (produzir toda a energia que consume). Ele ressalta que o setor começou a exportar energia com a queima do bagaço da cana há 20 anos e que nos últimos 14 algumas unidades têm investido na co-geração a partir da palha.
Para o executivo, a biomassa é uma fonte próxima do centro de consumo, o que gera menos gastos com a transmissão da energia. “Além de trazer nova renda e colocando uma energia mais limpa no sistema, a proposta permite outras vantagens”, reforça André. Ele informa que a bioeletricidade resulta em menos gastos com a transmissão e distribuição da energia, porque as linhas de transmissão são menores, o que reduz a perda de energia no processo. Na opinião do presidente do Sifaeg, a decisão vai estimular as 370 usinas a produzirem e a gerarem energia limpa. “Esse investimento individual dará suporte para que em caso de intercorrências, como um problema de transmissão em uma das linhas que sai de Itaipu, a falta de energia seja sistêmica já que cada usina será autossuficiente”, acrescenta.
André defende que o processamento da biomassa pode, em longo prazo, reduzir o preço da energia, uma vez que as usinas de cana podem co-gerar no período seco. Para ele a co-geração com a biomassa da cana poderia reduzir a utilização da totalidade produzida pelas hidrelétricas, colaborando para manutenção de uma energética nacional limpa e renovável com o replantio da cana. O presidente do Sifaçúcar estima que as usinas goianas conseguem abastecer todo o consumo residencial no Estado e ainda exportar o excedente para outras Estados.
Pioneira na cogeração
A Jalles Machado foi pioneira, em Goiás, na cogeração de energia a partir do bagaço da cana, com a implantação da termelétrica na Unidade Jalles Machado em 2000. Em 2011, foi inaugurada a Unidade Otávio Lage, segunda unidade industrial, também em Goianésia, que desde então conta com uma termelétrica para cogeração de energia. Em 2015, na Unidade Otávio Lage, além do bagaço, iniciou a utilização da palha da cana para a cogeração de energia. Atualmente, as duas termelétricas são controladas pela multinacional francesa Albioma. A parceria se deu porque a Albioma tem expertise na produção de energia elétrica a partir da biomassa e a área poderia expandir e receber novos investimentos.
A energia gerada é consumida na indústria e também exportada para o sistema elétrico nacional. “Essa atividade agrega valor, aumenta a receita para a empresa e também aumenta a disponibilidade de energia elétrica no sistema, importante principalmente em períodos de seca, como o que estamos vivendo, em que o nível do reservatório das hidrelétricas está baixo”, explica o diretor-presidente da Jalles Machado, Otávio Lage de Siqueira Filho.
“Acreditamos muito na cogeração de energia, porque é uma energia limpa e renovável, com inúmeras vantagens ambientais. Nos próximos três anos, vamos investir R$ 93 milhões em cogeração de energia na Unidade Otávio Lage, nas operações desenvolvidas com a Albioma Codora Energia”, acrescenta. Segundo ele, o escopo dos investimentos, inicialmente previsto, foi ampliado, decidindo a Companhia pela aquisição de uma nova caldeira de maior capacidade e outros equipamentos de cogeração. “Com a nova caldeira, será possível a substituição do recolhimento de palha por volume de bagaço incremental, que possibilitará redução de custos de aproximadamente R$ 10 milhões/ano, processar na UOL até 3,5 milhões de toneladas, ou seja, sem novos investimentos em geração de vapor em eventual novo plano de expansão, e maior flexibilidade para a produção de açúcar orgânico e convencional na UOL”, diz.
Vantagens da bioeletricidade
-Promove o desenvolvimento econômico sustentável.
-Contribui para a oferta de energia elétrica, principalmente no período seco, quando os reservatórios estão baixos.
-Ganhos ambientais por se tratar de uma energia limpa e renovável.
-Máximo aproveitamento dos recursos da cana.
-Ganhos sociais, com a geração de empregos e renda.
-Emite uma quantidade relativamente baixa de CO2 na atmosfera, quando comparada com o sistema convencional de geração. Isso possibilita a participação da usina em programas de redução na emissão de gases do efeito estufa, como o Crédito de Carbono.
(Fonte: Jalles Machado)
Benefícios para o produtor
O deputado federal e presidente do Sistema Faeg Senar, Zé Mário Schreiner, é relator do Projeto de Lei nº 3149/2020 na Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento Rural (CAPADR), que trata da emissão dos Créditos de Descarbonização, também chamados de CBIOs, emitidos pelos produtores de biocombustíveis. Trata-se de uma política do RenovaBio, que institui metas de redução da poluição pelas empresas que utilizam combustíveis fósseis. A compra de CBIOs é uma forma de cumprir tais metas, já que o valor é destinado à produção de energia limpa gerada pelos biocombustíveis. Esse Projeto de Lei permite que o produtor rural que fornece matéria-prima para a produção de biocombustível, como cana-de-açúcar, participe da receita gerada pela negociação dos CBIOs. Atualmente apenas o setor industrial participa dessa receita, enquanto os produtores rurais, que geram a matéria prima dos biocombustíveis (biomassa), são excluídos. O projeto visa corrigir essa distorção.
Matriz energética brasileira
De acordo com o coordenador técnico do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Alexandro Alves, o Brasil é referência quando se fala no desenvolvimento de energias limpas, ocupando a 3ª posição no ranking de capacidade instalada da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês), realizado em 2020, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Em 2020, a energia renovável foi responsável por 48,4% da oferta nacional, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que é coordenada pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O resultado representa um aumento de 2,3 pontos percentuais ante 2019, quando esta participação era de 46,1%. Segundo o documento, em 2020 a oferta interna de energia – ou seja, o total de energia disponibilizado no País – registrou uma queda de 2,2% em relação ao ano anterior, indo de 293,96 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (Mtep) para 287,61 Mtep. Porém, houve um incremento das fontes eólica e solar na geração de energia elétrica, além de um avanço da oferta de biomassa da cana e de biodiesel.
Estes fatores contribuíram para que a matriz energética brasileira se mantivesse em um patamar renovável superior ao observado no resto do mundo; conforme dados de 2018 citados pela EPE, esta participação é de 13,8%. “A retração da oferta das fontes não renováveis (petróleo e derivados, gás natural, carvão mineral e urânio), decorrentes de um ano atípico com a eclosão da pandemia do coronavírus, também contribuiu para o alto percentual de renovabilidade da matriz”, completa Alexandro.
De acordo com o balanço, no grupo de fontes renováveis que compõem a oferta nacional de energia estão biomassa da cana (19,1%); hidráulica (12,6%); lenha e carvão vegetal (8,9%) e outros renováveis (7,7%) como lixívia, biodiesel e energias eólica e solar, por exemplo.
Especificamente, o volume energético ofertado a partir da cana-de-açúcar foi de 54,9 Mtep, o maior da série histórica iniciada em 2006. O número cresceu 4% comparado ao ano anterior, que detinha o recorde até então, com 52,8 Mtep. A terceira quantia mais elevada foi em 2015, com 50,6 Mtep. Além disso, a biomassa da cana-de-açúcar é a fonte renovável que abrange a maior parcela na matriz energética. Também houve um crescimento de mais de um ponto percentual ante 2019, quando ela já ocupava esta posição, com 18%.
Comunicação Sistema Faeg/Senar/ Ifag