Nutritiva, versátil e com o cultivo em crescimento em Goiás, principalmente entre os pequenos produtores, a mandioca ainda luta contra o status de “comida de pobre”. Além de comercializada congelada, pronta para ir à panela em casas e em restaurantes, a raiz depois de processada origina a farinha e o polvilho. E tem novidade no mercado goiano: tapioca e a versão ralada, pronta para ser usada no mané pelado.
A diversidade de produtos parece uma inspiração no próprio alimento, conhecido por nomes diferentes, dependendo da região, como aipim, macaxeira, maniva, uaipi ou xagala. De fácil preparo, a mandioca também se destaca pela presença de carboidratos. São dois tipos – a amilopectina e a amilose. Juntos, eles liberam a glicose mais lentamente para o corpo, o que facilita a digestão, evita picos de açúcar no sangue e ‘dá gás’ para as atividades diárias.
De acordo com o engenheiro agrônomo José Gamaliel Anchieta Gomes, pesquisador da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) Goiás, no Estado há um interesse crescente pela cultura. A raiz possui “altíssimo valor social”, ressalta, e “potencial efetivo para aumentar a renda ou diversificar a produção em suas regiões.” Na última década, o cultivo teve um crescimento satisfatório, segundo ele, com produtividade entre 20 e 35 toneladas/hectares.
A cidade de Bela Vista, distante 45 quilômetros de Goiânia, é um dos polos de produção da raiz. Criada em 2005, na Comunidade do Cará, a Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores de Polvilho e Derivados da Mandioca da Região do Cará (Cooperabs) reúne hoje 51 famílias de agricultores familiares. Desde 1956, no entanto, agricultores da região já trabalhavam com a mandioca, como lembra o presidente da Cooperabs, José Atair da Silva Neto. Ele explica que a entidade arrenda as terras e repassa os lotes aos associados. Há um ano, com a crise econômica, os cooperados resolveram diversificar a produção. Além do polvilho, entre os produtos oferecidos hoje estão a farinha de mandioca, a tapioca e a massa pronta para o mané pelado. “Resolvemos sair da zona de conforto e percebemos um aumento de cerca de 20% da renda, em um ano, e a nossa expectativa é crescer mais”, informa.
Os produtos da cooperativa são distribuídos em Goiânia, em 35 cidades do interior do Estado e em Brasília. Um dos desafios é manter a padronização do polvilho, uma vez que cada produtor é responsável pela confecção do produto colhido em seu lote. “Quando o polvilho chega à cooperativa, passa por uma padronização, mas explicamos aos compradores que, por ser artesanal, ele tem diferenças”, diz. Além disso, a mandioca é integralmente aproveitada. O resíduo líquido, comenta Neto, é utilizado para a fertirrigação do pasto. Já o sólido, é destinado à alimentação do gado e à adubação. Em 2018, o plano é investir em uma agroindústria para diminuir custos e aumentar a produção. “Estamos no nosso limite produtivo”, comenta Neto. No caso do polvilho, são cerca de 70 toneladas por mês e da farinha, 25 toneladas mensais.
Mais comida
Associado da cooperativa, o produtor de Bela Vista, Ediones Marcos de Campos, 41 anos, o Dione do Cará, cultiva a raiz há 26 anos. A maioria da mandioca colhida é destinada para a produção do polvilho. Ele destaca a mecanização do plantio como um dos benefícios da criação da cooperativa. “Aprendemos novas técnicas de plantio e passamos a utilizar uma variedade mais produtiva, a 1AC12”, acrescenta.
Anualmente, ele trabalha com dois lotes para o plantio. Cada um tem nove hectares. Quando está colhendo uma safra, a outra já está semeada. A prosperidade do negócio ajuda a quebrar preconceitos. “Antes, as pessoas falavam sobre o ‘mandioqueiro’ de um jeito ruim. Agora, a mandioca está ‘largando’ de ser vista como uma comida de pobre”, analisa. É justamente esse o objetivo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que tem incentivado a produção da raiz mundo afora. A ideia é usar a mandioca, rica em carboidrato, como um aliado no combate à fome. Hoje, o alimento já é plantado em 100 países. O Brasil é o segundo maior produtor, com 10% do mercado.
De pai para filho
Com quase três décadas dedicadas ao cultivo da mandioca, o produtor Jonas Pedro de Oliveira, 69, de Terezópolis, também percebe um maior interesse pela raiz. “É um produto barato e que rende muito”, pondera. Pelo menos cinco vezes por semana, ele bate ponto nas Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceasa), em Goiânia, onde vende o produto para feirantes, churrascarias e pequenos supermercados.
Dados da Ceasa confirmam o crescimento do comércio de raízes frescas. O documento Análises conjunturais, divulgado em 2017, mostra que em 2008 eram comercializadas 522.919 caixas de mandioca, com 25 quilos de raízes frescas. Em 2015, foram 822.866 caixas. A média anual, entre esses anos, foi de 625.100 caixas. A raiz comercializada por Oliveira vem dos cerca de 10 alqueires arrendados por ele em Terezópolis e em Leopoldo de Bulhões.
Com a clientela fidelizada, em época de colheita, o produtor chega a colher 200 caixas de mandioca por dia. Se o preço está abaixo do que esperava, dá até para aguardar o melhor momento para colher. “Oito meses é o mínimo [para o cultivo], mas posso esperar até dois anos. Ela fica mais grossa, mas não perde”, compara ele, que graças à mandioca tem a tranquilidade de investir no cultivo de mexerica.
O engenheiro agrônomo José Gamaliel Anchieta Gomes, da Emater Goiás, explica que no caso dos cultivos comerciais o ciclo da raiz tem entre oito e 14 meses, no 1º ciclo, e entre 14 e 20 meses, no segundo. “Ao ser considerada a grande quantidade de matéria seca ou amido produzida pela mandioca, em comparação com outras culturas que também o produzem, o ciclo não é longo”, justifica. Para garantir a renda ao longo do ciclo, a indicação do pesquisador é escalonar a produção, como o plantio de outras raízes e tubérculos, por exemplo.
Há três anos, o filho dele, Jaílson Fagundes de Oliveira, 42, descobriu na atividade do pai outro nicho de atuação. Ao acompanhá-lo até o Ceasa, percebeu que quando um dos clientes agendados não buscava a encomenda, as mandiocas que sobravam eram descartadas. “Pesquisei e vi que dava para embalar a mandioca”, recorda. Em 2018, ele quer investir na mecanização. Quer comprar maquinário para lavar e descascar a raiz e uma câmara fria. “Vamos levar para outras cidades”, prevê.
Texto: Diene Batista, assessoria de Comunicação Sistema Faeg Senar
Fotos: Fredox Carvalho e Larissa Melo