Leonnardo Cruvinel Furquim é doutor em agronomia e gerente de Formação Profissional Rural (FPR) do Senar Goiás
Em que tipo de solo há maior tendência de acúmulo de matéria orgânica: em um solo argiloso ou em um solo arenoso? Por quê?
Para responder essa pergunta, é necessário esclarecer que a parte física do solo é composta por partículas de areias (partículas entre 2,0 e 0,05 mm), o silte (0,05 mm a 0,002 mm) e as argilas (> 0,002 mm). Percebe-se que uma estrutura de areia é cerca de 1000 vezes maior que a argila. De forma clara e direta: o que promove reações no solo são as argilas. Areia é praticamente inerte. Em um solo argiloso, as moléculas gigantes e amorfas que compõem a matéria orgânica, cheias de cargas variáveis, predominantemente negativas, ocorrem sobretudo como coloides. Isso significa que interagem diretamente com as argilas de origem mineral, apesar de suas diferenças estruturais. Portanto, em um solo argiloso, essa maior quantidade de cristais de argila promove a estabilização das moléculas de húmus (matéria orgânica), o que é mais difícil em um solo arenoso, com poucos cristais de argila. Por isso, há mais matéria orgânica em solos argilosos.
O que faz com que os solos argilosos sejam mais férteis que os arenosos?
Além do que foi explicado acima sobre o acúmulo de matéria orgânica, existe outra característica que deve ser considerada: a CTC (capacidade de troca catiônica), que nada mais é do que a quantidade cátions (íons positivos, como Ca2+, Mg2+, H+ e Al3+ por exemplo) retidos na superfície dos coloides do solo, como as argilas. É uma forma de se mensurar o quão reativo é o meu solo e o quanto ele pode ser fértil com os manejos adequados. Podemos dizer que quanto maior a CTC, maior o potencial produtivo do solo (comparando-se com condições edáfoclimáticas semelhantes).
Os solos do Cerrado são, naturalmente, bastante intemperizados. Isso é o resultado de altas temperaturas e grandes volumes de chuvas agindo sobre as áreas goianas e “desgastando” as partículas constituintes dos solos. Exemplo: solos de climas temperados contêm argilas do tipo 2:1 (como a vermiculita com CTC de 150 cmolc/dm3), enquanto nos nossos solos de clima tropical predominam argilas do tipo 1:1 (como a caulinita de CTC de 8 cmolc/dm3) ou óxidos de ferro ou alumínio com CTC de 4 cmolc/dm3. Assim sendo, nota-se que as argilas predominantes em nossas terras são menos reativas, mas ainda é possível ter produtividades elevadas em áreas com alta porcentagem de argila no resultado da análise de solo. O grande desafio está em regiões com teor de argila menor que 25%. Nesses solos, acumular matéria orgânica é a maior oportunidade de produzir, porque a reatividade que o solo tem (considerando como CTC) é, em sua maior grandeza, oriunda da matéria orgânica. Estudos demonstram que áreas com argissolos e latossolos (mais predominantes no Cerrado) chegam a ter 90% da CTC sendo oriunda da matéria orgânica e não da argila.
O que acontecesse com a CTC se dobrar a % de argila? E se aumentar 1% na matéria orgânica?
Se considerar uma situação hipotética: solo com 25% de argila; 2,5% de matéria orgânica e CTC de 6 cmolc/dm3, sendo a CTC da argila de 7 cmolc/dm3 e da matéria orgânica de 150 cmolc/dm3. Se fosse possível dobrar a quantidade de argila no solo, a CTC iria para 7,25 cmolc/dm3, o que representaria um aumento de 30%. Porém, isso não acontece no campo. Ao fazer uma análise de solo e pedir a avaliação da granulometria (% de areia, silte e argila), obtêm-se um resultado que, se tiver sido coletado e mensurado corretamente, não se altera. Se seu solo tem 25% de argila nesse ano, daqui 10 anos também terá!
Sendo assim, se aumentássemos 1% na matéria orgânica do solo (chegando a 3,5%), teríamos um aumento de 20% na CTC potencial, atingindo cerca de 7 cmolc/dm3. E isso é possível! Considerando uma distribuição equilibrada de bases de 60% de cálcio, 20% de magnésio e 5% de potássio na CTC, esse 1% a mais de matéria orgânica proporcionaria 0,9 cmolc de cálcio, 0,3 cmolc de magnésio e 29 mg/dm3 de potássio. Quantidades expressivas que vão contribuir para uma boa produtividade da sua área!
Quais os benefícios da matéria orgânica no solo?
Melhoria do estado de agregação: observa-se aumento dos índices de agregação das partículas, com diminuição das classes de menor diâmetro e aumento das classes de diâmetro maior. Ao favorecer a maior agregação de partículas, o sistema de plantio direto contribui para a melhoria da porosidade, beneficiando a aeração e a infiltração e armazenamento da água no solo.
Aumento da CTC que depende do pH: a maior parte dos solos goianos têm grande parte da CTC dependente da matéria orgânica e, esta, varia em função do pH. Com a correção da acidez através da calagem, maior será a possibilidade de elementos essenciais estarem disponíveis para as raízes das plantas.
Suprimento de nitrogênio: através do plantio direto, a mineralização da matéria orgânica ocorre de forma mais lenta e gradativa, resultando em menor intensidade de liberação de nitrogênio no solo, tornando o elemento disponível para as culturas plantadas.
Melhoria da disponibilidade de fósforo: constata-se aumento da fração orgânica do fósforo em profundidade graças à decomposição dos restos de raízes remanescentes ao longo do perfil do solo através do plantio direto.
Neutralização da acidez: solos ácidos com excesso de alumínio, associado à deficiência de cálcio nas profundidades, prejudica o crescimento das raízes. Em alguns casos em que não há possibilidade de correção por calagem, a matéria orgânica tem exercido o papel de neutralização graças ao papel desempenhado pela fração orgânica na dinâmica de íons, principalmente através do uso de diferentes plantas de cobertura.
Então, como conseguir aumentar a matéria orgânica no solo?
Isso é possível através do sistema de plantio direto: não revolvimento do solo, manutenção da palhada e rotação de culturas. A construção da matéria orgânica é regulada pelas quantidades de carbono e nitrogênio existentes nos resíduos orgânicos mantidos na superfície do solo. Por isso é interessante alternar os cultivos com plantas que forneçam coberturas com diferentes relações C/N (carbono/nitrogênio). Quando maior essa relação, menor é a mineralização da matéria orgânica, o que estimula também a atividade microbiana. Outra alternativa que promove simbiose nessa “construção da matéria orgânica” é a implantação de sistemas de integração lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta: o uso de gramíneas (espécies com maior relação C/N) favorece esse acumulo de carbono orgânico e o uso de leguminosas na sequencia promove acumulo de nitrogênio no solo e disponibilização de nutrientes para o sistema solo-planta.
Entender a complexidade da formação e acúmulo de matéria orgânica no solo, principalmente em regiões com predominância de alto teor de areia na granulometria, possibilita enraizar os conhecimentos da ciência de solo com a prática na produção, do plantio a colheita, desde a escolha das cultivares aos manejos adequados para proporcionar alimento com sustentabilidade. O trecho da música “Meu País” de Zezé di Camargo e Luciano: “Se nessa terra tudo que se planta dá” com certeza é verídica, mas se sua lavoura é cultiva em solos arenosos, entenda e cante a grandeza da matéria orgânica!