Especialistas analisam preço do grão, importação, consumo e rentabilidade do produtor
O aumento no preço do arroz acendeu sinal de alerta em diferentes setores da economia e fez com que o tema se tornasse assunto recorrente junto à população. A Revista Campo conversou com especialistas para explicar a disparada e os possíveis reflexos para os orizicultores brasileiros diante da decisão do governo federal de suspender, até 31 de dezembro, a cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) para 400 mil toneladas de arroz importado de países fora do bloco do Mercosul. Os analistas de mercado revelam que a pandemia da Covid-19 impulsionou a demanda global pelo grão. Eles apontam que, ao contrário do que imaginam os consumidores, a rentabilidade alcançada em 2020 está longe de suprir o passivo do setor.
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Guilherme Bastos, atribuiu o recorde de preços às mudanças no cenário internacional e suas implicações no eixo doméstico. Ele apresentou um balanço da safra de arroz durante a Expointer Digital 2020. Guilherme afirma que a pandemia estancou a queda de consumo doméstico, com aumento de 26,4% entre os meses de março e agosto. Segundo as estimativas da Conab, há uma tendência mundial de redução do consumo do grão em faixas da população com renda mais elevada. “Entre março e agosto, notamos que a classe trabalhadora reduziu as refeições em restaurantes. E o arroz, pela praticidade de preparo e baixo valor aquisitivo até então, foi ganhando mais espaço na mesa dos brasileiros”, resumiu.
O coordenador de Produção Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva, e o assessor técnico da instituição, Fábio Carneiro, reforçam que, de 2012 a 2019, a queda observada no consumo no País foi de -11,8%. Segundo os representantes da CNA, resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a frequência de consumo de arroz brasileiro caiu de 84% em 2008/2009 para 76,1% em 2017/2018. “A redução mostrou-se mais acentuada nas faixas de renda maiores. E as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste tiveram maior queda”, destacam. Com a pandemia, as projeções foram outras.
Os pesquisadores da CNA creditam a elevação do consumo às pessoas cozinhando em casa e ao suporte dado pelo auxílio emergencial do governo federal. Eles ressaltam que os dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) revelam que a distribuição do benefício, entre abril e setembro, contribui para a redução da pobreza extrema no Brasil e ampliação da renda das classes menores. “Pelos dados do Ibre/FGV, em junho de 2020, 3,3% da população nacional vivia em pobreza extrema, ou seja, sete milhões de pessoas, enquanto nesse mesmo período de 2019, 6,9% da população, o que equivale a 14 milhões, encontravam-se nessa situação”.
Para o coordenador do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Leonardo Machado, os estímulos à demanda foram determinantes para as movimentações de alta no mercado. “O corona voucher acentuou as vendas do produto. Porém, o recorde dos preços está relacionado à valorização internacional do preço do grão e, especialmente, aos altos patamares cambiais da moeda americana e à redução da oferta dos grandes exportadores”, acrescenta. Ele cita que além destes fatores é importante pesar a desvalorização do real frente ao dólar e a baixa no excedente exportável no Mercosul - estima-se em 350 mil toneladas para o Brasil até o final da safra.
Cenários e desafios
Segundo a CNA, no mercado internacional, China, Índia, Bangladesh, Indonésia, Vietnã e Tailândia lideram a produção mundial de arroz. Mas, em virtude da pandemia, China, Vietnã e Índia restringiram bastante os volumes comercializados no mercado externo no primeiro semestre. Para o coordenador institucional do Ifag, essa redução da oferta em importantes países exportadores também foi responsável pela alta nos preços. “Na safra 2019/2020, a Tailândia produziu 13% a menos que a safra anterior e diminuiu 27% suas exportações. Já a China, reduziu 1% a produção e exportou 6% menos”, enumera Leonardo. No mercado tailandês, referência mundial, o arroz acumulou alta de 15% no consumo em 2020.
Na opinião do presidente da Conab, neste panorama global, o grande produtor nacional, que ainda tinha estoque, priorizou as exportações, porque o preço estava balizado pela paridade de terceiros como Estados Unidos e Ásia. Ele ressalta que os levantamentos da Conab retratam que a orizicultura apresenta baixa rentabilidade ao produtor desde 2014 e queda de 16% na área plantada no Brasil nas últimas três safras.
Para o coordenador do Ifag, Leonardo Machado, o orizicultor brasileiro está acumulando cinco safras seguidas de rentabilidade negativa. Essa baixa lucratividade fez com que a cultura perdesse espaço para a soja. Em Goiás, por exemplo, o prejuízo alcançou R$ 15 por saca em 2019, conforme destaca o coordenador. “A situação vem se repetindo desde 2016. E, em 2019, o produtor não conseguiu sequer pagar o custo da safra”, salienta. “Na produção de arroz, diferente da soja e do milho, não existe a política de troca de parte da produção por insumos ou mesmo o travamento antecipado do preço. Na orizicultura, o produtor tem que financiar a cultura, colher e depois negociar com o mercado”, explica Leonardo. O Rio Grande Sul representa 70% da produção nacional de arroz. Em Goiás, a produção é mais expressiva nos municípios de Luís Alves e Flores de Goiás.
Estudo da CNA revelou que o aumento dos preços não resultou na ampliação das margens de lucro dos produtores
O estudo da CNA aponta que o aumento de preços não resultou em ampliação das margens dos produtores e que o setor de orizicultura vem registrando rentabilidades negativas da safra 2014/15 até 2018/19, tendo como dois piores momentos as safras 2017/2018 e 2018/2019. Na safra 2017/2018, mesmo colhendo uma produtividade acima da média histórica, o estudou mostra que a receita bruta não saldou o Custo Operacional Efetivo (COE) devido ao baixo preço do cereal no mercado doméstico. Nesse mesmo período, os produtores operaram com prejuízo de R$ 2.260/ha na região sul.
Já na safra 2018/2019, as informações da CNA citam que o problema se agravou por intempéries climáticas no início e no fim da safra, resultando em redução de produtividade. Em casos mais extremos, houve perda de área produtiva por alagamento. Nessa safra, o estudo relata que os prejuízos superaram o da safra anterior, atingindo R$ 2.503/ha em Uruguaiana. Na safra 2019/2020, após cinco safras com receitas brutas inferiores ao Custo Total (CT) de produção, finalmente o produtor conseguiu saldar o CT da lavoura. Pelo estudo, é possível verificar que o COE ficou em média R$ 7.407,2/ha e o CT em R$ 9.009,7/ha, resultando em margem bruta de R$ 4.049,00/ha e lucro de R$ 1.533/ha. De longe, os prejuízos das safras anteriores não foram recuperados.
Nas safras 2017/18 e 2018/19, os produtores típicos de Uruguaiana não conseguiram saldar o COE. Já nas safras 2014/15 a 2016/17, o estudo aponta que os produtores conseguiram saldar o COE, porém a receita bruta (RB) obtida não foi capaz de saldar a depreciação das máquinas e equipamentos nas safras 2017/18 e 2018/19, assim como o juro sobre o capital investido nas cinco safras (2014/15 a 2018/19). De acordo com as informações da CNA, esse cenário, somado ao alto endividamento, acabou por comprometer muito o caixa dos produtores, dificultar a rolagem dessas pendências financeiras e o acesso a novos financiamentos.
A consequência do acúmulo do saldo econômico negativo de uma safra é o problema na captação de recurso para o custeio das safras subsequentes, de acordo com a CNA. O estudo mostra que a prorrogação da dívida da safra anterior restringe a capacidade de captação de recursos financeiros do Plano Safra, que, em geral, tem taxas de juros mais competitivas do que outras fontes oferecidas pelo mercado, forçando o orizicultor a recorrer a agentes de mercado, com taxas de juros menos atrativas. Dessa forma, o cenário obriga a venda antecipada de parte expressiva da sua produção, agravando o problema na ocorrência de frustração de safra.
Segundo o levantamento da Confederação, essa venda antecipada trouxe consequência, inclusive, para a safra atual. Apesar do preço do arroz se apresentar elevado ao consumidor, o produtor não se beneficiou integralmente dos preços atuais, devido à comercialização de grande parte da produção ter ocorrido antes dos picos de preço atuais, seguindo o comportamento das últimas temporadas.
Nas últimas cinco safras, o estudo acrescenta que pelo menos um terço da produção de arroz foi comercializado antes da colheita com as cerealistas e indústrias. A CNA informa que outra parcela expressiva é comercializada imediatamente após a colheita, para saldar os compromissos de curto prazo. O levantamento cita, ainda, que a recessão econômica, a alta taxa de desemprego e as medidas de apoio emergencial adotadas pelo Governo pressionaram a cotação do arroz no mercado interno nas últimas safras.
Por fim, a CNA informa, no estudo, que o saldo positivo da safra 2019/20 está longe de solucionar o problema da baixa rentabilidade das cinco safras anteriores, lembrando que a capacidade de reinvestimento na propriedade se encontra baixa. Como consequência, muitos produtores têm substituído a área de arroz - que reduziu 27% entre as safras 2014/2015 e 2019/2020 - por outras culturas como a soja ou mesmo têm saído da atividade.
A importação e seus reflexos
Para o analista do Ifag, o preço ao consumidor deve permanecer estabilizado até a entrada da nova safra. Ele afirma que, somente em fevereiro, o preço ao consumidor deve ter uma queda, porque teremos maior oferta de grãos no mercado interno. “A importação era a única solução que o governo poderia adotar no cenário atual”, diz. Leonardo afirma que a logística para importar arroz de outros países, como Estados Unidos ou da região sudoeste da Ásia, elevará bastante o custo e o preço final no varejo e no atacado. Para ele, a isenção da TEC prejudica o produtor nacional do grão. Um estudo publicado pela Conab mostra que o dólar elevado pode frear a entrada de novos volumes vindos de fora do Mercosul, fator que, somado aos altos preços internacionais, pode manter o suporte para os preços domésticos nas próximas semanas.
Abiarroz avalia importação e preço final do produto
O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Elton Doeler, afirma que a alta no preço do produto foi necessária para manter o estímulo da produção do grão. Segundo ele, 80% do arroz brasileiro é produzido basicamente na região Sul do País. Nos últimos 10 anos, o setor produtivo trabalhava com preços que giravam em torno de R$ 2 o quilo para o consumidor, e davam valores ao produtor de R$ 40 a saca.
Questionado sobre quando o brasileiro vai voltar a perceber um preço menor do produto nas prateleiras, a resposta foi de que isso não deve ocorrer antes de março de 2021. No entanto, mesmo com as alterações de preço, ele acredita que o produto não vai custar tanto ao bolso da sociedade. “Um quilo de arroz alimenta, aproximadamente, 10 pessoas. Se custava R$ 2 o quilo, custaria R$ 0,20 por pessoa. É muito barato uma refeição com esse alimento. Hoje, nós imaginamos que o preço do arroz vá se estabilizar em um patamar entre R$ 5 e R$ 7 que, a nosso ver, ainda é atrativo para a média da população brasileira. Ou seja, um prato de arroz vai custar na mesa do brasileiro em torno de R$ 0,50”, pontuou.
Para Elton, a importação sem a incidência da TEC é positiva, já que aumenta a oferta dentro do Brasil. “Na verdade, mais do que o volume ofertado, é uma sinalização do governo de que ele usará todas as armas que tiver para conter, ou pelo menos estabilizar novos aumentos de preço. Isso, ao nosso ver, foi muito acertado. Já está acontecendo. A indústria começou a receber novas ofertas de abastecimento e entendemos que isso tende a normalizar nesse nível de preço que eu mencionei, entre R$ 5 e R$ 7”, pontua.
De acordo com dados divulgados pela Abiarroz, o Brasil é o maior produtor e consumidor fora da Ásia. O suprimento anual chega, em média, a 15 milhões de toneladas do grão em casca para atender ao consumo de 12,14 milhões de toneladas. Além disso, cerca de 40 mil produtores cultivam aproximadamente 2,4 milhões de hectares por ano, em 500 municípios brasileiros.
A orizicultura na “voz” de quem produz
Dirlani Alexandre é orizicultor há 30 anos. Ele nasceu em Santa Catarina e mudou-se para São Miguel do Araguaia, no Noroeste Goiano, em busca de novas oportunidades de crescimento. O agricultor participa do projeto de irrigação de Luís Alves, onde cultiva 260 hectares de arroz. Ele relata os desafios do cultivo de arroz porteira adentro e aponta preocupação com as projeções para a próxima safra e a isenção da tarifação para o arroz importado fora do Mercosul. “Eu não exporto. Meu arroz é vendido verde. Direto para indústria em Goiânia, pois não temos secador e nem armazém para armazenar. Nessas três décadas, foram poucas as vezes que nós, orizicultores, tivemos rentabilidade. Em muitas safras, os preços não cobriram as despesas. Quando vinha um ano bom como esse, tinham as contas dos anos anteriores para cobrir. Vamos ver agora, se nessa safra que estamos começando a plantar se o preço vai permanecer até fevereiro, porque os custos aumentaram mais de 50%”, destaca.
Ele informa que em 2020, os preços foram bons, mas nem todos os produtores tinham os produtos. De acordo com Dirlani, os custos aumentaram na entressafra com a alta do dólar e a desvalorização do real. “E, tem um detalhe: o custo é fixo e a produção é variável. Se nós produtores não produzirmos uma média que cubra os custos, não adianta aumentar os preços e não ter o produto para vender”, diz.
Como ele explica, o arroz não tem mecanismo de travamento ou venda futura como a soja. “Compramos os insumos cotados em dólar, com juro embutido para pagar após a safra e, sem saber a qualidade do produto que vamos colher. Se chover muito, perco em qualidade. Não existe certeza sobre a que preço vamos vender. Sempre corro atrás de ter maior produtividade e invisto em combater as pragas que tentam atrapalhar nossa produtividade”, acrescenta.
O produtor informa ainda que foi, pouco a pouco, aumentando a área arrendada e que precisa pagar por ela. “Sei que quando quero sol, vem chuva. Que quando quero colher, às vezes, falta caminhão. Faltam funcionários e que, algumas vezes, não temos onde entregar a produção. Sei também que não posso demitir, porque as pessoas precisam de trabalho. Sei que sou do campo e que aqui não podemos parar. Mesmo sabendo de todos estes indicadores e das incertezas da nossa indústria a céu aberto, sei que espero ganhar e ter lucro em fevereiro. Estou torcendo que o preço permaneça, porque tudo aumentou: adubo, óleo diesel, funcionários e insumos”, enfatiza.
Dirlani reconhece que a população precisa do produtor e espera que, este ano, que entrará para a história por causa da pandemia do novo coronavírus, fique marcado também como o ano em que todos da cidade aprenderam que é preciso ter alguém para plantar para que todos tenham o que comer. “Levamos muita paulada de quem não sabe qual é a realidade do campo. De quem não sabe como, onde, quem e em quais condições cada agricultor está plantando. Torço para que as pessoas valorizem mais os homens do campo. Que diminua o êxodo rural, para que outras gerações também se arrisquem a vir plantar. Não somos vilões da inflação. É difícil largar amigos, família e a cidade grande para vir plantar. Eu e os melhores analistas não sabemos de verdade qual o lucro teremos, mas sabemos que precisamos plantar agora, porque as pessoas vão precisar de alimentos”, finaliza.
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