Goiás é reduto de grandes construtores do instrumento e agora tem um novo incentivo para manter a tradição da música que entoa a trilha sonora do campo
Não é apenas uma viola. É um instrumento feito artesanalmente, com cada detalhe pensado exclusivamente para o músico que a encomendou. E nesse trabalho é levado em consideração se ela será tocada em um show, gravação em estúdio, num concerto ou roda de família por exemplo. Até o tamanho do violeiro conta para que ela saia perfeita. Tanta minúcia e dedicação fazem com que o goiano Marcos Evangelista esteja entre os melhores luthieres, ou seja, construtores de violas, do país.
Num ateliê em Aparecida de Goiânia, rodeado de centenas de ferramentas ele constrói o que dá origem ao som da trilha sonora do homem do campo. A tradição da música raiz mantém firme a profissão que Marcos começou por caso. Curiosamente nunca tocou um instrumento apesar de crescer vendo o pai fazer isso. Ele é um autodidata na arte de construir violas. Começou há 20 anos, quando o pai comprou um violão de um tio que era Luthier. Ele começou a perguntar detalhes de como era feito? Nessa época a família tinha uma marcenaria, voltada para a fabricação de móveis e o jovem trabalhava lá.
“Eu comecei seguindo o que meu pai explicou sobre o trabalho do meu tio. Saiu um violão e confesso que não saiu dos melhores (risos). Mas para um primeiro até ficou bom. Aí um vizinho violeiro, Avaré da dupla Avaré e Jataí, encomendou a primeira viola que eu fiz na vida. Saiu bem melhor que o violão. E por onde eles iam e tocavam, as pessoas perguntavam se onde era a vila? Eles fizeram meu marketing”, conta descontraído.
Com a chegada da internet, Marcos começou a comprar livros sobre a arte de fabricar violas e foi se aprimorando cada vez mais. A grande virada na carreira aconteceu em 2010, quando ele participou do Concurso Nacional de Lutheria -Conservatório de Tatuí. Ganhou em primeiro lugar! Curiosamente com a fabricação de um violão erudito. “ Eu fiz o violão e enviei. Sem muita pretensão. Mas ao receber o primeiro lugar, meu nome ganhou destaque e apesar de ter vencido o concurso com o violão, eu passei a receber cada vez mais e mais encomendas de violas”, pontua.
Marcos Evangelista já construiu violas para os grandes nomes da música sertaneja do país. E hoje tem uma fila de espera de dois anos. Como cada detalhe é feito artesanalmente e somente por ele, fabrica em média 30 por ano. Tudo começa com uma boa madeira para uma acústica de qualidade. Na lateral e no fundo do instrumento são usadas espécies Jacarandá Indiano, Maple, Mogno ou Imbuia. No tampo vai o Pinho Europeu, Cedro. Esse último também pode ir no braço, assim como o mogno. Na escala são colocados Pau-Ferro, Ébano e Jacarandá.
“A escolha da madeira interfere no resultado final de toda a sonoridade. A diferença de uma viola feita por um luthier está no conhecimento de tudo, da corda, de cada parte do instrumento. Não é como nas fábricas onde quem monta geralmente só tem domínio de uma parte do processo. A viola feita por um bom luthier, pode durar até 100 anos”, explica.
Marcos diz que a música raiz, originalmente extraída da viola, tem ganhado muito espaço entre os jovens. Muitos foram puxados pela nostalgia da infância com os avós, na fazenda e agora querem retomar isso. “Apesar de não vermos mais programas com violeiros na TV aberta, é na internet, através dos vídeos dos violeiros antigos que a história da música raiz permanece sendo contada e seguida. Eu ouso dizer que ela é mais forte do que há 20 anos, pelo acesso que se tem hoje a esses conteúdos. Então eu tenho clientes, médicos, advogados, engenheiros, gente que quer trazer para o presente os acordes que ajudaram a contar a história da roça”, afirma.
E sabendo do fascínio que a viola desperta em cada vez que é tocada, o Senar Goiás passou a oferecer a oportunidade de aprender a arte com aulas online. “O curso de Viola Caipira, inicialmente foi oferecido como parte da premiação para os integrantes dos grupos de Faeg/ Jovem, pessoas que fazem um trabalho belíssimo de sucessão familiar e consecutivamente de manutenção da cultura rural. Além dessas vagas para os jovens, observamos que muita gente, mesmo na cidade, tem o sonho de aprender essa arte e é por isso que abrimos, também, vagas para a sociedade como um todo e que rapidamente foram preenchidas. Em breve iremos oferecer mais vagas. O som da viola remete nossas raízes e queremos mantê-las bem firmes por muitas gerações.”, explica o superintendente do Senar Goiás. Dirceu Borges.
As aulas são ministradas pelo Violeiro Almir Pessoa. Ele é cantor, compositor e formado em música pela Universidade Federal de Goiás, mestre em música pela mesma instituição. Tocou em todas as regiões do Brasil, além dos shows internacionais na França, Bélgica, Alemanha, Suíça, Portugal e Estados Unidos. Deu o primeiro curso de viola caipira fora do Brasil, em Londres em 2017. Com todo esse conhecimento garante que mesmo sem ter uma noção básica, o aluno consegue sim aprender a tocar viola mesmo que a distância.
“É possível aprender online por conta do formato do curso, que possui áudios e vídeos detalhados sobre cada parte do processo. Além do mais, o suporte ao aluno é feito de maneira ágil e descomplicada. Só existe uma maneira de não aprender: não ter vontade, não fazer as aulas e não praticar”, explica Almir.
O curso tem duração total de 100 horas. O conteúdo é dividido por músicas. “Cada música apresenta características próprias que se transformam em matéria prima para teoria e prática. Além disso, farei encontros virtuais com os alunos e também estou de plantão tanto na sessão de tirar dúvidas e também mediando os fóruns de aprendizado”, descreve o violeiro e professor.
A viola em Goiás
Almir Pessoa, é autor de Viola Caipira: Manual de Escalas e Campos Harmônicos para Afinação Cebolão em Mi Maior. Com propriedade no assunto, ele traz algumas explicações históricas sobre a trajetória do instrumento em Goiás. “A viola em Goiás começou a ter forte representação nas festividades populares há mais de um século. Em especial, festas como as folias de Reis e do Divino, tem no instrumento um pilar para tocar suas músicas”, informa.
De acordo com o músico, o ensino da viola era transmitido de maneira oral até meados da década de 1990, quando começaram a surgir cursos em escolas de música, principalmente em Goiânia. “Alguns nomes chamam muita atenção para o instrumento, com mais de 30 anos de atuação. Temos: Galvan e Galvãozinho, André e Andrade e Di Paulo e Paulino, e na nova geração, da qual me considero parte, temos Marcus Biancardini, Wellington Pavas, Marco Aurélio, Guilherme Diniz e mais uma porção generosa de bons violeiros e violeiras espalhados pelo Estado”, destaca.
Foi com o crescimento e destaque dos violeiros de Goiás que a profissão de luthier (quem constrói violas) começou a se firmar no Estado. No entanto, não é um dom para muitos e por isso é um trabalho feito com maestria por poucos. Hoje seguem no ofício em Goiás e com reconhecimento nacional, nomes como: Marcos Evangelista (que ilustra essa reportagem), Antônio Guedes, Di Freitas e Di Hélios.
A expectativa é que apesar dos novos estilos de música, a viola ganhe cada vez mais ascensão. Alguns procuram o instrumento por considerá-lo com um charme retrô. Mas para a maioria vai além de um retorno de uma moda do passado. É a chama viva da tradição das raízes brasileiras. No Instituto de Viola Almir Pessoa (IVAP), são atendidos mais de 500 alunos de maneira presencial e online, inclusive fora do Brasil, para brasileiros vivendo no exterior e também para os estrangeiros.
“Acredito que é praticamente impossível alguém com um mínimo de sensibilidade passar ileso ao som do ponteio da viola. A ação do Senar Goiás de incentivar as pessoas a tocarem esse instrumento está sendo de enorme importância para a cultura da viola. Eu vivo de música desde 1999, já rodei e rodo o mundo com esse instrumento. Categoricamente afirmo que o mínimo que a viola pode trazer é uma porção enorme de alegria para quem toca e para quem ouve. Espero profundamente que haja pelo menos uma viola e um violeiro ou violeira em cada lar goiano”, deseja Almir Pessoa.
comunicação Sistema Faeg/Senar/Ifag